COLUNA DO TIMM
A HORA E A VEZ DO NACIONALISMO – Paulo Timm – Publ A FOLHA TORRES RS 14/II
“O orgulho nacional é, para os países, o que a autoestima é para os indivíduos: uma condição necessária para o autoaperfeiçoamento. Orgulho nacional excessivo pode produzir belicosidades e aventuras externas, excessiva autoestima pode produzir arrogância.” A frase foi escrita por Richard Rorty a propósito de seu país, os EUA.
“Orgulho nacional e autoestima: modelo Trump - Pedro Malan - O Estado de S. Paulo
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Durante muito tempo, o nacionalismo como defesa intransigente do interesse nacional, esteve estigmatizado no debate político. Era visto, como dizia o Senador Roberto Campos, como o “valhacouto dos canalhas”. Ele, aliás, ganhou visibilidade pública justamente depois do Golpe Militar de 1964, cujo lema, na dicção daquele que assumiu o Ministério de Relações Exteriores, Juracy Magalhães era: “ O que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil”. Era, enfim, o clima da “Guerra Fria”, justificavam-se. Desde então, aliás, o nacionalismo como corrente política importante no Brasil entrou em descrédito. Leonel Brizola, herdeiro de Vargas e Jango, tendo retornado à vida pública em 1979, era frequentemente ridicularizado na imprensa corporativa pela sua insistência nas “perdas internacionais” sofridas pelo Brasil. Não obstante, deve-se a um inglês, insuspeito Ministro da Raínha Vitória, Lord Palmerston, no século XIX, a famosa frase: -“Os países não têm amigos, têm interesses”.
A origem desta condenação ao nacionalismo está no último quartel do século XIX, quando vários países retardatários na corrida pelo desenvolvimento, face ao círculo de ferro dos países centrais que dominavam o mercado mundial, inclusive Estados Unidos, como recentemente reconheceu Donald Trump, mas também Alemanha e Japão, recorriam à proteção tarifária de seus mercados de forma a estimular suas próprias empresas. Mais tarde, já no século XX, vários países latino-americanos, na corrida “nacional-desenvolvimentista”, também seguiram esta recomendação, sempre condenada pelo ortodoxos do livre mercado. A crise americana, porém, depois dos anos 1970, mesmo sob forte dominância do “Consenso de Washington”, condutora do neoliberalismo em escala mundial, foi alimentando por lá a ideia de que algo devia ser feito em defesa dos interesses do próprio país, cada vez mais marginalizado do comércio mundial pela emergência de novas potências, ora o Japão, agora a China. Aí surge Donald Trump, já em 2016, com a consigna de MAKE AMERICA GREAT AGAIN – estampada nos bonés de seus defensores com a sigla MAGA, defendendo o nacionalismo. Faz um primeira investida no seu primeiro mandato, e agora volta com todo o vigor para levar às últimas consequências a atualização do nacionalismo a favor dos Estados Unidos. Mas , como diz Pedro Malan, ex Ministro da Fazenda de FHC, em recente artigo publicado em O ESP :
“Pela primeira vez na História a desordem mundial é provocada e incentivada pelo governo da maior potência econômica e militar do planeta .
O protecionismo americano do tarifaço de Trump não é uma reação dos menores contra os maiores. É um recurso do maior frente a muito menores, como México, Canadá e países exportadores de placas de aço e alumínio, como o Brasil, para não falarmos das ameaças sobre o Canal do Panamá e Groenlândia. Até se explicaria se a defesa dos americanos fosse exclusivamente contra a China, já desenvolvida e grande exportadora para os Estados Unidos. Mas não. Trata-se de uma política defensiva de grande potência, emissora do dólar como moeda internacional e mantenedora de 800 bases militares ao redor do mundo, capaz de desencadear uma guerra comercial sem precedentes.
Um dos constrangimentos desta nova faze dos Estados Unidos são suas repercussões na geopolítica mundial. Dificilmente a Casa Branca vai conseguir manter a hegemonia que conquistou depois da II Guerra Mundial. A União Europeia já começa a se estranhar com o aliado tradicional, à vista da posição de Trump diante da OTAN e da questão ucraniana. Ele vai exigir que países europeus de garantam com a aplicação de 5% de seus Orçamentos em Defesa. Nenhum deles consegue.
No Brasil, o constrangimento fica com bolsonaristas aliados incondicionais de Trump. Segundo um atento observador, no Congresso Nacional, a continuarem neste defesa serão vistos como quinta coluna. Aqui a palavra fica com este analista:
Deputado se ocupa em suas redes da defesa do americano e parece esquecer até a lição de seu ídolo- in “ Um braço de Trump no Congresso? “- Marcelo Godoy - O Estado de S. Paulo 12.02.2025
Ou seja, como ficam estes brasileiros diante de políticas claramente nocivas ao interesse nacional? Terão coragem de sair às ruas com bonés do MAGA, carregando bandeiras dos Estados Unidos e Israel. E a Havan, continuará ostentando suas imensas Estátuas da Liberdade, verdadeira idolatração aos Estados Unidos...?
Anexos
Orgulho nacional e autoestima: modelo Trump - Pedro Malan - O Estado de S. Paulo
Pela primeira vez na História a desordem mundial é provocada e incentivada pelo governo da maior potência econômica e militar do planeta
“O orgulho nacional é, para os países, o que a autoestima é para os indivíduos: uma condição necessária para o autoaperfeiçoamento. Orgulho nacional excessivo pode produzir belicosidades e aventuras externas, excessiva autoestima pode produzir arrogância.” A frase foi escrita por Richard Rorty a propósito de seu país, os EUA.
Em meu artigo mais recente para este espaço, comentei os três elementos fundamentais do modus operandi trumpista: fazer ameaças, alcançar acordos (propiciados pelas ameaças), e declarar vitória, sempre. Em menos de 20 dias do início do segundo mandato de Donald Trump, esse tripé vem se confirmando, para perplexidade e inquietação generalizadas do mundo, a indicar claramente quão mais turbulento será o quadriênio 2025-2028. Trump decididamente já mostrou que é portador de excessiva e indiscriminada belicosidade, e não menos excessiva arrogância, diariamente explicitadas nas mídias sociais e em improvisos variados.
Pela primeira vez na História a desordem mundial é provocada e incentivada pelo governo da maior potência econômica e militar do planeta. O que disse Trump nos últimos dias sobre o futuro de Gaza e dos seus mais de 2 milhões de habitantes mostra que seu húbris (arrogância) desconhece limites. A confiança, mesmo entre tradicionais aliados, não deixará de sofrer abalos.
É verdade que Henry Kissinger, logo no início de seu indispensável livro World Order, alerta que uma ordem mundial verdadeiramente global nunca existiu: “No truly global ‘world order’ has ever existed”. O que passa por “ordem” em nosso tempo, nota o autor, foi concebido na Europa Ocidental há quase quatro séculos com o “Tratado de Westfália”, que pôs fim a 30 anos de guerra (1618 a 1648) na qual quase um quarto da população da Europa central morreu devido a combates, doenças ou fome. O tratado promoveu uma acomodação pragmática: uma multiplicidade de unidades políticas, muitas aderindo a filosofias e práticas religiosas contraditórias, e desprovidas de poder suficiente para derrotar ou subjugar as demais, cedeu lugar a um sistema de Estados independentes. Em que foram refreados impulsos de intervenção nas questões domésticas de outros Estados, e mantidas em xeque as ambições de cada um através de um geral “equilíbrio de poder”. No qual cada Estado tinha poder soberano no âmbito de seu espaço territorial, cuja integridade haveria de ser preservada pelos demais.
Os negociadores da paz de Westfália não imaginaram que estavam a lançar as fundações de um sistema que viria a ser globalmente aplicável. Kissinger concluiu, após examinar múltiplos conceitos de “ordem”, que os princípios westfalianos constituem ainda hoje a única base geralmente reconhecida do que seria uma ordem global. Por isso foram inscritos, mais de 300 anos depois, na Carta das Nações Unidas (junho de 1945), segundo a qual “a Organização é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros”. A Carta prevê também, ora vejam, que “todos os membros deverão abster-se nas suas relações internacionais da ameaça ou do uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado”.
Trump foi legitimamente eleito, e de forma avassaladora. Ao longo da campanha, deixou claro o que faria, nos fronts externo e doméstico. Em ambos, encontrará resistências. No front externo, vale registrar a serenidade e compostura demonstradas pela presidente do México, Claudia Sheinbaum, e por Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, em suas primeiras respostas à decisão de Trump de elevar em 25% as tarifas sobre suas exportações para os EUA. Exemplos a serem seguidos.
Quanto ao front interno, escreveu um juiz federal norteamericano anos atrás: “Presidents are not kings”, portanto estão sujeitos a filtros, freios, pesos e contrapesos de uma sociedade democrática. Que inclui um Partido Democrata que tem de entender o porquê de sua fragorosa derrota, de preferência antes das eleições para a Câmara dos Deputados em 2026.
Kenneth Arrow escreveu: “A maior parte dos indivíduos subestima a incerteza. Enormes danos têm se seguido à crença na certeza, seja em inevitabilidades históricas, seja em posições extremas sobre política econômica”. Vale para os Estados Unidos, vale para o Brasil, vale para qualquer país em qualquer época. Na mesma linha de Rorty, citado na abertura deste artigo, Raymond Aron recomendava que espectadores engajados deveriam evitar excessos, tanto de entusiasmo quanto de indignação. E Eduardo Giannetti, que os “dois gumes da lâmina” contivessem os excessos, seja de otimismo, seja de pessimismo.
Todos – Rorty, Aron e Giannetti – tinham em mente a necessidade de evitar polarizações excessivas que impedissem a busca de convergências possíveis. Que sempre existem, tanto em questões de política doméstica quanto nas relações internacionais de um país. O que precisamos hoje é que as políticas – as domésticas e a externa – se tornem menos um discurso sobre o verdadeiro, o falso e o fictício; e mais um debate sobre quais esperanças permitir a nós mesmos e quais abandonar. Como Dante em Inferno, Canto III.
Um braço de Trump no Congresso? - Marcelo Godoy
Democracia Política e novo Reformismo: Um braço de Trump no Congresso? - Marcelo Godoy
O Estado de S. Paulo - Deputado se ocupa em suas redes da defesa do americano e parece esquecer até a lição de seu ídolo
As relações entre o deputado federal Eduardo Bolsonaro e a administração Trump são conhecidas. Ele faz questão de as exibir nas redes sociais. Ali, pode-se ter uma ideia do que parece a filiação aos interesses de um centro político exterior, vinculado a uma potência estrangeira.
Nos 11 primeiros dias deste mês, o filho do ex-presidente fez 163 publicações em sua conta na rede X. Destas, 63 (38,5%) defendiam Trump e suas políticas, mesmo quando afetavam interesses nacionais, como a taxação de produtos brasileiros. Em segundo lugar, o deputado se ocupou da defesa dos interesses de seu grupo político e de seu pai – 23% das publicações. Outros dois temas ocuparam Eduardo: as críticas ao STF e ao TSE (17,7%) e a oposição ao presidente Lula, com 16,5%.
Para defender a decisão de Donald Trump de fechar a Usaid, Eduardo acusou a agência de enviar recursos ao TSE em 2022, sugerindo que ela teria influenciado as eleições no Brasil. Ataques à Usaid eram algo que só se via na boca da esquerda, que a acusava de ser um braço da CIA, ao denunciar o acordo MEC-Usaid. Nenhuma palavra de Eduardo sobre os R$ 17 milhões da agência enviados ao Brasil em 2024 para ações de proteção ambiental – uma ninharia, é verdade, mas alinhada à projeção de poder do País, não só em nosso entorno estratégico, mas como voz importante nas discussões internacionais sobre o meio ambiente.
Em vez disso, Eduardo compartilhou postagem de Rui Costa Pimenta, presidente do PCO, acusando Guilherme Boulos de ser “cria da Usaid”. Essa é a primeira vez que Boulos é tratado como um bom e velho agente da CIA. Será que Eduardo queria mostrar que o bolsonarismo é a Causa Operária da direita? Em outra oportunidade, comentou a notícia sobre a intenção de Lula reagir ao tarifaço de Trump contra produtos brasileiros. Escreveu: “Isso já não é um alcoólatra ‘presidindo’ o Brasil, é um lunático desvairado. Meu Deus!”
Lula pode ser a nêmesis da direita, um presidente que metade do País considera impróprio. Mas é o presidente. Bem ou mal, representa o País. Após Trump impor tarifas ao aço nacional, o deputado não voltou ao tema. A defesa do americano seria suficiente para inviabilizá-lo para dirigir a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa da Câmara? Os petistas dizem que sim.
Caberia a Eduardo uma pergunta similar a que Juraci Magalhães uma vez dirigiu a Luiz Carlos Prestes? Se determinados fatores históricos nos levassem a uma guerra com os Estados Unidos de Trump, o que faria Vossa Excelência? Em todo caso, é preciso lembrá-lo que, ao se vincular a uma direita internacional, o deputado parece ignorar a lição retomada por Trump: nações têm interesses e não amigos.
Governo Trump, o fascínio da dominação - José Serra
O Estado de S. Paulo- quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025-De mocracia Política e novo Reformismo: Governo Trump, o fascínio da dominação - José Serra
Já de início, a ação de Donald Trump foi pautada por uma virulência típica dos impérios em declínio
Os primeiros movimentos do segundo governo Trump vão mostrando um líder em transição para o autoritarismo ilimitado. A dúvida que fica é se esse perfil é uma estratégia política, no contexto das políticas interna e externa da América, ou uma efetiva intenção de recolocar os Estados Unidos no papel de controlador imperial do mundo.
A segunda hipótese parece mais provável. A retórica que levou Trump ao poder teve como pilar o “Make America Great Again”. Em verdade, essa mensagem já confessa que a hegemonia americana passa por fortes questionamentos. Trump apostou (e ganhou) em mostrar o declínio para assumir o posto de timoneiro da recuperação do poder americano.
Sua ação já de início foi pautada por uma virulência típica dos impérios em declínio. Os impérios contemporâneos constroem uma hegemonia baseada em relações comerciais, financeiras, culturais, tecnológicas e étnicas. Há uma espécie de dependência de todos em relação ao centro do império, seja para vender produtos, seja para lastro financeiro e creditício, mas os outros aspectos dos costumes e da própria construção dos valores sociais estão presentes no conceito de hegemonia.
Geralmente, quando os impérios têm seu papel hegemônico contestado, passam ao uso do poder militar ou desandam pela via da demonização dos parceiros comerciais insubordinados. Os dois instrumentos estão na pauta, mas as tarifas estão ainda ocupando o lugar dos mísseis, como no caso do nosso aço.
A metralhadora giratória de Trump contra os parceiros comerciais é uma aposta arriscada. A elevação de tarifas tem o efeito colateral de estressar os complexos formatos de negócio das cadeias de suprimento das grandes empresas americanas.
Hoje, China e Índia representam alternativas de negócio ao centro dominante americano. É até mais provável que a postura de Trump acelere os movimentos de criação e consolidação dos novos blocos de comércio. Note-se que toda a virulência contra os Brics expressa menos força do que temor quanto ao futuro.
Ficou evidente na reta final da campanha e nos primeiros movimentos do novo governo que Trump estava muito bem articulado com o que de mais novo existe na economia americana, as big techs. Depois de perder a supremacia em diversos segmentos da indústria manufatureira, a aposta é na tecnologia para recuperar sua posição de centralidade na economia global, o que deve envolver bilhões de dólares do Tesouro para os grandes contratos com o setor privado.
Parecia um reencontro com o sonho americano, só que ele se transformou em pesadelo. Bastou a notícia de que uma empresa chinesa conseguia produzir inteligência artificial melhor e mais barata do que as big techs americanas para que um US$ 1 trilhão de valor de mercado dessas empresas virasse pó.
Além das questões de mercado, a realidade colocou uma interrogação sobre o segmento que aparecia como grande polo dinâmico da reestruturação da economia americana na “era Trump”. Pior, esse setor foi protegido com políticas do Estado americano, o que fazia com que as empresas beneficiárias parecessem muito mais sólidas do que na realidade são.
Não é só na economia que o jogo de Trump é de alto risco. Na execução de sua grande promessa eleitoral, a retirada de milhões de imigrantes ilegais do território americano e a inviabilização do fluxo migratório, um certo tom medieval vai dissolvendo o ar de civilização que ainda era preservado pelo governo anterior.
Ao que parece, Trump não compreendeu que a mão de obra estrangeira joga um papel-chave na economia americana. Os primeiros dias de terror vão desestruturando a construção civil e os serviços. A provável elevação de salários, decorrente da escassez de trabalhadores dispostos a realizar tarefas de baixa qualificação, pode resultar em aumento generalizado de custos na estrutura produtiva americana.
O lamentável é que o histórico de exploração econômica do México e da América Central, em que o Estado americano teve grande responsabilidade, resultou em péssimas condições de vida que são o elemento propulsor da imigração para os Estados Unidos. Evidentemente, o crime e o narcotráfico se associam a esses processos, gerando um barril de pólvora. O muro e as deportações são a negação da posição de centro dominante, ao recusar suas responsabilidades sobre a situação social dos países sob sua influência.
O desespero para recuperar as condições de controle da geopolítica e dos fluxos comerciais é a outra face da incapacidade em lidar com as fronteiras e a gestão dos fluxos migratórios.
Não poderia faltar ao império em decadência a bravata militar. Anexar a Groenlândia e o Canal do Panamá, além de transformar o Canadá no 51.º Estado, parece jogo de cena, mas não podemos esquecer que um senhor de bigode no centro da Europa começou exatamente assim.
Infelizmente, a truculência ampla, geral e irrestrita de quem não tem noção de seu papel no mundo deve acelerar a fragmentação da economia internacional e ampliar os conflitos.
Atitudes de Trump atingem os pilares da ordem internacional - Maria Hermínia Tavares - Folha de S. Paulo - quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025 - Discursos lembram política de áreas de influência típica de potências europeias no séc. 19
Analistas da política norte-americana se esforçam para distinguir, na enxurrada de decretos executivos expelidos pelo presidente Donald Trump, o que é para valer e o que é apenas para obter —pela intimidação— acordos mais vantajosos.
Seja qual for a intenção, o desastre é monumental e fere não apenas os habitantes do país, cuja grandeza passada o novo ocupante da Casa Branca prometeu ressuscitar —seja lá o que ele quis dizer.
No plano externo, palavras e atos do presidente atingem igualmente pilares da chamada ordem internacional baseada em regras —ou ordem liberal. Obra lapidada do Ocidente democrático, depois da Segunda Guerra Mundial, seu objetivo era reduzir o risco de novos conflitos generalizados e estabelecer limites à pura política de poder e ao exercício da força bruta nas relações entre países. Além de buscar soluções negociadas para problemas que ignoram fronteiras ¬—como a crise ambiental ou as pandemias. Seu instrumento foram os numerosos organismos e arranjos multilaterais que se multiplicaram em torno das Nações Unidas e de entidades como o FMI e o Banco Mundial.
Eis por que as primeiras decisões de política externa de Trump foram a retirada dos EUA do Acordo de Paris e da Organização Mundial da Saúde. O primeiro, a duras penas, visa construir um caminho comum para lidar com as mudanças climáticas. O segundo, integrado ao sistema da ONU, sempre ficou aquém dos desafios criados pelas epidemias globais e pela abissal desigualdade de recursos entre nações, malgrado sua gritante importância.
Logo a seguir vieram as decisões de retirar a América do Conselho de Direitos Humanos da ONU; do Tribunal Penal Internacional; e do Conselho Interamericano de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos). Sem dúvida, a parte mais vulnerável do sistema internacional baseado em regras, pelas dificuldades de fazer cada país cumprir suas decisões, esses organismos expressam também suas aspirações mais elevadas de um mundo respeitoso da dignidade das pessoas e da sua proteção contra toda forma de violência.
O abandono dessas organizações multilaterais soma-se aos golpes ao livre comércio, às ameaças de anexação de territórios, como a Groenlândia, ou de ocupação, como no monstruoso projeto para Gaza. Em conjunto, anunciam uma concepção que faz lembrar a política de áreas de influência e de equilíbrio de poder características das grandes potências europeias no século 19, às quais os estudiosos atribuem a instabilidade internacional que teria desembocado na Grande Guerra de 1914.
É obvio que, hoje, o mundo é outro e a existência mesma de entidades multilaterais é disso uma prova —e, felizmente, um obstáculo ao agressivo nacionalismo de Trump, que, de resto, também enfrentará resistências internas. Mas não há dúvida de que suas políticas de caos e destruição aumentam a crise pré-existente das regras do jogo internacional e o risco de catástrofes globais.
"O velho mundo está morrendo e o novo mundo luta para nascer: agora é o tempo dos monstros." A frase é do notável pensador italiano Antonio Gramsci, falecido em 1937 depois de oito anos nos cárceres fascistas. Nunca pareceu tão atual.
O Brasil diante de Trump - William Waack - O Estado de S. Paulo- Não parece haver boas opções para enfrentar quem não diferencia entre amigos e inimigos - Democracia Política e novo Reformismo: O Brasil diante de Trump - William Waack
Não há muita margem de manobra para o Brasil frente a Trump. No plano geral geopolítico, o presidente americano está desfazendo a ordem internacional que nos foi vantajosa. No plano imediato das tarifas impostas contra exportações de aço e alumínio brasileiras, o espaço de resposta é reduzido comparado ao que aconteceu no primeiro mandato de Trump.
A causa imediata é a probabilidade de que Trump implemente tarifas elevadas para outros setores. O agro aguarda isso a qualquer momento. É séria e real a ameaça de Trump de impor reciprocidade nas tarifas. Em outras palavras, mesmo que o Brasil retalie aqui ou ali, o buraco é bem maior.
O setor privado tem tentado ajudar discretamente o governo através dos canais tradicionais com parceiros americanos, mas a questão não é apenas compensar a inexistência de ligações “diretas” de governo a governo. Trump não faz mais distinções entre amigos e inimigos e abraçou a ideia de que o declínio americano teria sido causado pelo livre comércio.
O Brasil há décadas afirma que a ordem internacional pós-Segunda Guerra, liderada pelos EUA, deveria ser “corrigida” em favor do que hoje se chama de Sul Global. Ironicamente, para o atual governo americano é exatamente essa ordem liberal a responsável pela “fraqueza” do país, que tem de ser “great again”. Daí ser tão central em Washington a arma da política protecionista.
Na visão de Trump, essa arma serve não só para obter concessões também em instâncias que nada tem a ver com déficits comerciai. Ela “reverteria” décadas de liberalidade em relação a concorrentes como a China, mas também a União Europeia. Fato que se revela na brutalidade de sanções tecnológicas e financeiras americanas.
Há certo consenso entre analistas distantes do embate ideológico quanto à visão de que não havia muito mesmo o que os americanos pudessem ter feito para “frear” a China e sua capacidade de desafiar a potência hegemônica agora também em termos militares. Trump não dá indicações de perceber, porém, que o imenso vigor da economia americana e sua capacidade de inovação estão associados a um sistema internacional que depende de regras, cooperação, integração e essencialmente de alianças.
Para o Brasil, essa “virada para dentro” dos Estados Unidos é negativa em vários sentidos, e “schadenfreude” pelo que está acontecendo com o “império” é resultado genuíno do famoso complexo de vira-lata. Nossa situação é delicada não só pelo que Trump faz e desfaz mas, principalmente, pelas nossas próprias vulnerabilidades.
Postado por Gilvan Cavalcanti de Melo às 07:13:00
Proposta do Brasil no Brics sobre pagamentos - Assis Moreira- quinta-feira, 13 de fevereiro de 2005
Valor Econômico - quinta-feira, 13 de fevereiro de 2005 - Reorientação de exportações para países geopoliticamente alinhados cresce no comércio global- Proposta do Brasil no Brics sobre pagamentos - Assis Moreira- - Pesquisar News
O Brasil, na presidência do Brics, enviou aos membros do grupo nesta semana uma proposta visando facilitar o pagamento das transações do comércio intrabloco - e que evita falar diretamente de desdolarização.
É verdade que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por mais de uma vez disse “sonhar” com uma moeda comum para o Brics e questionou por que “todos os países precisam fazer seu comércio lastreado no dólar, por que não podemos fazer comércio lastreado na nossa moeda?”.
O tema foi capturado por Donald Trump na sua volta à Casa Branca. Em meio à disrupção global que provoca, ele tem repetido ameaças de impor tarifas de 100% contra países do Brics se tentarem criar uma moeda comum como alternativa ao dólar. Para Trump, “não há nenhuma chance de que o Brics substitua o dólar americano no comércio internacional, e qualquer país que tentar deve dizer adeus aos Estados Unidos”. Ele já chegou a incluir a Espanha como membro do grupo.
O Brics quer aprofundar a discussão sobre como acelerar a facilitação de suas trocas e reduzir riscos. Mas, de fato, a proposta que o Brasil mandou para os países-membros foca basicamente em facilitar pagamentos “de forma eficiente e segura”, amparado por novas tecnologias, como blockchain e outras, que reduzam os custos de transação comerciais. Esse sistema permitiria transações direitas em moedas locais, o que também é uma forma de diminuir custos.
A proposta não envolve moeda comum, como fala Trump, insiste uma fonte no Brics. Não é nem sequer estabelecer um sistema com garantias embutidas como o Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR) da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), dado como exemplo em alguns círculos de Brasília.
O Banco Central brasileiro na verdade se retirou em 2019 do CCR, um sistema internacional de pagamentos pelo qual são liquidadas operações de comércio internacional pelos bancos centrais de 11 países-membros. O BC considerou que o mecanismo tinha ineficiências que faziam com que não atendesse mais aos interesses do país, perdera importância para a liquidação das operações no comércio entre os países-membros, transferia riscos do setor privado para o setor público e não estava em linha com as modernas práticas de sistemas de pagamentos internacionais, ao concentrar risco de crédito em uma instituição e diferir pagamentos por até quatro meses.
Ativo na atual discussão no Brics, o BC certamente não tem nenhuma saudade do CCR, pelo menos não com a governança atual.
Em meio às turbulências comerciais deflagradas por Trump, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, destacou na semana passada que o Brasil “está empenhado em desenvolver instrumentos de pagamento locais que facilitem o comércio e o investimento intrabloco”, ressalvando que o Brics “não tem uma vertente negativa: ele trabalha a favor da cooperação e do desenvolvimento de seus membros - e não contra quem quer que seja”.
A China, o peso pesado do Brics, sabe que mudança da ordem monetária não é para agora. No momento, está mais focada em desvalorizar sua moeda para continuar competitiva e para não perder muito na barganha que terá de fazer com Trump.
Diferentes fontes observam que as autoridades chinesas são muito conservadoras em matéria financeira. Preferem que a desdolarização “venha por gravidade”, e deixa que os outros falem a favor. Rússia e Irã são os mais engajados em buscar rapidamente alternativas ao dólar americano, pelas sanções que sofrem impostas por Washington.
O economista Dmitry Dolgin, autor de um relatório sobre Brics e desdolarização publicado pelo banco holandês ING, vê coerência na posição da China, como maior detentor de reservas internacionais de moeda estrangeira no Brics+, especialmente considerando Hong Kong e Macau, que têm bancos centrais separados.
As reservas consolidadas chinesas totalizam cerca de US$ 4 trilhões e a estrutura exata de câmbio é desconhecida. Mas é muito provável que o dólar americano desempenhe um papel importante nesse montante e, pelo seu tamanho, seria difícil encontrar alternativa com liquidez semelhante. Outro argumento contra a desdolarização para a China é a participação ainda alta dos EUA no seu comércio internacional.
Outros membros do Brics+ podem estar em posição mais flexível, pois suas reservas são menores e eles têm opção de usar o renmimbi em suas reservas internacionais, como faz a Rússia, enquanto a China obviamente não pode usar sua própria moeda como ativo internacional, nota ele.
Para o economista, que monitora de perto o Brics, uma agenda de desdolarização no bloco tem maior potencial de ser levada adiante pelas reservas cambiais e no comércio de combustíveis (o grupo é responsável por cerca da metade da produção energética do mundo).
O Brics+ controla 42% das reservas cambiais dos bancos centrais em geral, “provavelmente contribuindo para o processo de desdolarização global”. E aponta o ouro como a maior alternativa potencial ao dólar para o bloco. Apesar da compra ativa pelo Brics+ nos últimos tempos, o metal ainda representa somente 10% das reservas de seus bancos centrais, comparado a 20% na média global - ou seja, os BCs do Brics+ têm espaço para acumular mais ouro em vez de dólares.
Os trabalhos do Brics tomam uma dimensão particular neste ano, em meio à onda de choque provocada por Trump. A geopolítica muda aceleradamente o comércio internacional, com mais reorientação de exportações para países geopoliticamente alinhados.
A LOS PUEBLOS DE NUESTRA INDOAMERICA
¿Por qué el imperialismo quiere vernos divididos?*
Claudia Sheinbaun, Presidenta de Mexico
Porque sabe que juntos somos invencibles. Estados Unidos, potencia que se viste de democracia mientras exporta golpes de Estado, ha clavado sus garras en nuestra tierra con una estrategia clara: dividir para saquear.
En Chile, financió el golpe contra Allende para imponer a Pinochet y regalar el cobre a sus corporaciones.
En Nicaragua, armó a los Contras para ahogar en sangre la Revolución Sandinista.
En Venezuela, desató una guerra económica y sanciones criminales para robar el petróleo y doblegar a un pueblo que se atrevió a mirar al futuro con soberanía
En Brasil, utilizó la Lawfare para encarcelar a Lula y frenar el ascenso de los pobres.
En Bolivia, apoyó un golpe contra Evo Morales para entregar el litio a sus transnacionales.
En Cuba, mantiene un bloqueo genocida por seis décadas, castigando a un pueblo que eligió ser dueño de su destino.
Desde las tierras ardientes del Río Bravo hasta las aguas embravecidas de la Tierra del Fuego, somos un solo pueblo, una sola alma tejida con los hilos de la resistencia, la dignidad y los sueños compartidos. La Patria Grande no es una utopía: es el latido de nuestra historia, la memoria viva de quienes lucharon por vernos libres, desde Túpac Amaru hasta Bolívar, desde Martí hasta la Che Guevara. Es el territorio sin fronteras donde el quechua, el español, el portugués, el guaraní y todas las voces originarias se funden en un coro que canta: ¡Unidad!
Cada herida abierta en un país es un ataque a todos. El imperialismo no teme a gobiernos aislados: teme a los pueblos unidos. Nos han impuesto tratados que privatizan el agua, la salud y la educación; han militarizado nuestros territorios para controlar recursos; han manipulado medios de comunicación para sembrar el miedo y el individualismo. Pero su arma más letal es hacernos creer que somos enemigos, que la pobreza de uno es culpa del otro, y no del sistema que nos desangra.
La Patria Grande es la respuesta. Es el abrazo solidario entre el obrero argentino y el campesino colombiano; entre la maestra mexicana y el ingeniero venezolano; entre los jóvenes que en las calles de Perú, Ecuador o Honduras exigen justicia. Es entender que la independencia de Haití, lograda con sangre en 1804, es tan nuestra como la victoria de Ayacucho. Es saber que cuando Paraguay fue masacrado en la Guerra de la Triple Alianza, no perdieron solo los paraguayos: perdimos todos.
Unidos no somos víctimas: somos titanes. La Zamba de Vargas, la batalla de Carabobo, el grito de Dolores, la resistencia mapuche, las Madres de Plaza de Mayo, los zapatistas alzando la voz en Chiapas… Cada lucha es un eslabón de la misma cadena que hoy nos llama a romper las cadenas. La soberanía no se negocia: se defiende. Y para defenderla, necesitamos una unión política, económica y cultural que nos permita intercambiar sin depender del dólar, producir alimentos sin agrotóxicos, educar con pedagogías liberadoras y proteger nuestra Amazonía como pulmón del mundo.
*Hermanos, no nos equivoquemos: el enemigo es el mismo.
* Mientras Wall Street especula, nuestros pueblos hambrean. Mientras Hollywood nos vende falsos ídolos, entierran nuestras identidades.
Pero tenemos algo que ellos jamás tendrán: la certeza de que la historia la escriben los pueblos.
Hoy, cuando el neoliberalismo recicla su rostro con falsas promesas, cuando la Cuarta Flota estadounidense vigila el Caribe y las bases militares se multiplican en Colombia y Brasil, es hora de gritar con una sola voz:
¡Basta de injerencia! ¡Basta de saqueo!
Que resurja la UNASUR, que crezca el ALBA, que el CELAC sea nuestro escudo. Organicemos asambleas populares, redes de comunicación propia, monedas regionales, ejércitos de maestros y artistas que despierten conciencias. Porque la verdadera independencia se conquista con educación, organización y amor al prójimo.
*Somos la generación que puede hacer realidad el sueño de San Martín y Manuelita Sáenz.
* No esperemos a que nos rescaten: seamos nosotros la trinchera, el poema, la semilla. Que cada barrio, cada fábrica, cada aula sea un territorio libre de la Patria Grande.
¡Que viva América Latina unida! ¡Hasta la victoria siempre!
Porque en nuestra unión está la fuerza, y en nuestra lucha, la libertad.
Trump: o filho legítimo da Europa. Trump é um filho legítimo, não bastardo, da Europa moderna. Tal qual o foi Hitler no seu tempo - 12 de fevereiro de 2025, 17:48 h
BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS
Trump é um filho legítimo, não bastardo, da Europa moderna. Tal qual o foi Hitler no seu tempo. A mãe que gerou estes filhos vai gerar outros até vir a ser devorada por um deles, talvez pelo próprio Trump. Em vez de ser o Saturno de Goya a devorar os seus filhos, será a Europa a ser devoradas pelos filhos. Nesta metáfora ser devorada não significa extinguir-se. Significa voltar a ser o que era até ao século XIV, um canto insignificante da Grande Eurásia onde o Mediterrâneo Oriental pontificava como ponte entre os mundos oriental e ocidental então conhecidos. Trump começou a desestabilizar a Europa desde 2016, a devorá-la para atenuar as piores consequências do declínio do imperialismo norte-americano. O processo não começou com ele e continuou depois dele, com Biden e por outros meios: em vez da guerra comercial, a guerra da Ucrânia. Estamos, pois, perante um processo histórico que analisamos com a dificuldade própria de quem analisa a corrente das águas ao mesmo tempo que é arrastado por elas.
A Europa auto-denominou-se educadora do mundo a partir do século XV. E a cartilha dos educadores foi dominada pela ideia de que educar o outro é devorar o outro. Devorar é progresso para quem devora e destino comum para quem é devorado. Devorar é sempre progresso, seja devorar por evangelização, por compra, por roubo, por ocupação, por guerra, por assimilação. Por devorar entenda-se uma forma de antropofagia. A forma europeia auto-designou-se civilização e, consequentemente, todas as outras formas de antropofagia que os educadores europeus foram encontrando no mundo foram declaradas bárbaras e, como tal, proscritas e demonizadas. Trump é não só um filho legítimo como um estudante que aprendeu bem a lição que os educadores europeus lhe deram.
Por mais sonantes que sejam as rupturas entre a política as usual e o tsunami Trump, eu tendo a ver continuidades e são elas que significam o perigo do tempo que vivemos. O facto de se salientarem as rupturas leva a pensar que, uma vez Trump passado à história, tudo voltará a ser como dantes. Não voltará. Trump é historicamente o espetáculo do declínio do que chamamos Ocidente. Não é o declínio dos EUA, é o declínio da Europa e do mundo ocidental. O longo ciclo que se iniciou no século XV está a chegar ao fim. A inconsciência deste facto por parte da social-democracia europeia (que se foi suicidando a partir de 1980) está bem expressa na publicação recente da Social Europe, da Fundação Friedrich-Ebert, intitulada “EU Forward: Shaping European Politics & Policy in the Second Half of the 2020s” (2025). As ruínas explicadas por aqueles que as causaram limitam-se a propor soluções que eles próprios recusaram na altura em que elas poderiam ser possíveis e evitar o desastre. A partir de 1945, o pacto colonial entre a Europa e os EUA inverteu-se. A autonomia dada à Europa dividida e a generosidade da sua defesa (NATO) tiveram por objectivo conter o perigo comunista. A Europa interiorizou de tal modo esse papel que agora não tem outro remédio senão inventar o inexistente perigo comunista para subsistir. Europa é hoje uma colónia de sua antiga colónia, sem que nenhuma delas tenha passado por um verdadeiro processo de descolonização.
A matriz europeia de Trump
A matriz europeia tem os seguintes componentes: superioridade civilizacional; racionalidade instrumental; exclusividade epistémica da ciência-tecnologia; íntima relação entre comércio e guerra; conquista ou contrato desigual; pacta sunt servanda quando convém; linha abissal entre seres plenamente humanos e seres sub-humanos; a natureza pertence-nos, nós não pertencemos à natureza; soberania, inimigos internos e inimigos externos; dialética da revolução/contra-revolução. Esta matriz não desceu dos céus nem foi revelada a nenhum descendente tardio de Moisés. É constitutiva da estrutura de dominação (exploração, opressão, discriminação) da modernidade ocidental constituída por três pilares de dominação principais e intrinsecamente articulados: capitalismo, colonialismo, patriarcado. Esta tríade variou muito ao longo dos séculos, mas mantém-se intacta, ontem como hoje, e sempre se serviu de dominações-satélites, sejam elas castas, capacitismo, etarismo, religião, política, etc.
Esta matriz não é exaustiva, teve múltiplas interpretações e versões e produziu efeitos contraditórios. A modernidade europeia também permitiu que dois grandes intelectuais malditos, um no princípio do ciclo e outro no início do fim do ciclo, vissem como ninguém as contradições das interpretações dominantes desta matriz e as catástrofes que produziria. Refiro-me a Baruch Espinosa e a Karl Marx.
Superioridade civilizacional
Na modernidade ocidental a superioridade civilizacional pressupõe a superioridade racial. Por sua vez, a superioridade racial pressupõe que não se pode usar com os inferiores os mesmos procedimentos e instituições que se usa entre os iguais. Segundo uma lógica multissecular, de Aristóteles a Nietzsche, seria um contrassenso tratar como iguais os desiguais. O racismo e o militarismo foram sempre os sub-textos da superioridade civilizacional. Devorar em nome da superioridade civilizacional, qualquer que seja o instrumento utilizado, provoca uma forma específica da ansiedade decorrente da possível reacção dos destinados a ser devorados. O racismo desumaniza para legitimar a brutalidade da repressão, o militarismo elimina. Trump prefere o racismo extremo porque lhe permite combinar desumanização com eliminação. Ao contrário dos índios, os imigrantes não têm de ser eliminados. São transferidos para os seus países de origem ou para novas reservas, sejam elas em Guantánamo ou em El Salvador. Os imigrantes são algemados para dramatizar o contraste com a libertação dos verdadeiros americanos.
Racionalidade instrumental e exclusividade epistémica da ciência-tecnologia
O princípio moderno de que o conhecimento é poder só seria um princípio benévolo se a pluralidade dos conhecimentos existentes no mundo fosse reconhecida e as possibilidades de enriquecimento mútuo fossem celebradas. Em vez disso, deu-se uma prioridade exclusiva à ciência e posteriormente à tecno-ciência. Isto teve as seguintes consequências: um desenvolvimento científico e tecnológico sem precedentes; massivo epistemicídio, ou seja, destruição, supressão ou marginalização de todos os conhecimentos considerados não científicos; a construção de um senso comum segundo o qual ser racional é adequar os meios aos fins propostos sem que estes sejam sujeitos a discussão (eficiência); a desvalorização da ética decorrente da substituição da razoabilidade pela racionalidade; crescente discrepância entre consciência técnica e consciência ética, em detrimento desta última; recusa dos limites externos do conhecimento cientifico, ou seja, das perguntas a que a ciência nunca poderá dar resposta por mais que avance, pela simples razão de que tais perguntas não são formuláveis cientificamente (por exemplo, qual é o sentido da vida?); tendência em transformar problemas políticos em problemas técnicos e em reduzir questões qualitativas a questões quantitativas. Elon Musk é a face visível e caricatural do extremismo a que este tipo de racionalidade pode conduzir. Mas ele não é causa, é consequência. Os que o criticam pelo seu triunfalismo delirante são os mesmos que celebram a inteligência artificial sem se darem conta de que são duas manifestações do mesmo tipo de inteligência e do mesmo tipo de artificialidade. Levada ao extremo, a racionalidade instrumental implica a irracionalidade ético-política. O actual crescimento da extrema-direita é um dos sinais disso mesmo.
O uso racional dos recursos naturais e humanos
A racionalidade instrumental da dominação moderna capitalista, colonialista e patriarcal estabeleceu como fim a maximização da acumulação de recursos como condição da maximização dos lucros; os meios para o atingir foram aqueles que cada época tornou possível, em face da resistência dos que foram sendo “desacumulados” ou despossuídos, fossem eles os seres humanos ou a natureza. Antes de ser utilizado pelos marxistas para caracterizar as relações de trabalho, o conceito de exploração fora há muito consagrado para explorar a natureza segundo o mesmo princípio de que conhecer é poder. O neoliberalismo nas relações de trabalho e o colapso ecológico são as duas faces da mesma moeda. Tal como “drill, baby, drill!” e o tratamento dado aos trabalhadores migrantes são duas faces da mesma moeda.
Na lógica da racionalidade moderna tudo o que é racionalmente utilizável é natureza. Parece contraditório porque a distinção entre natureza e humanidade é central pelo menos desde o Iluminismo: a natureza pertence-nos; nós não pertencemos à natureza. Não há, de facto, contradição porque a definição de cada um dos termos permanece sempre em aberto para que tudo o que possa ser usado racionalmente como recurso acumulável seja convertido em natureza. Os povos nativos eram natureza, tal como as mulheres, tal como os escravos. E se hoje atentarmos no modo como os corpos humanos estão a ser industrializados de forma a funcionarem eficazmente nas novas configurações do trabalho, é a re-naturalização do humano que está em causa.
Íntima relação entre comércio e guerra
Desde o seu início, o comércio e a guerra foram as duas faces da expansão colonial europeia. Francisco de Vitória (1483-1546), o grande advogado do comércio livre, da propriedade individual e do direito internacional, é também o advogado da guerra justa sempre que os valores anteriores sejam violados. Aliás, na opinião dos críticos do universalismo liberal, este carregou sempre consigo o estigma de justificar a guerra em nome de princípios que só favorecem uma das partes, a que tem o poder para, num dado momento histórico, definir o que é o universalismo liberal. Os critérios duplos como princípio de governação são inerentes à modernidade ocidental. O princípio de que os pactos são para cumprir (pacta sunt servanda) sempre foi aplicado com uma cláusula invisível (aos desprevenidos): “sempre e só quando convém aos poderosos”
Na matriz da dominação moderna, a guerra é o início e o fim, o primeiro e o último recurso. Entre um e outro está a despossessão ou acumulação primitiva (e permanente), o roubo, o comércio, a troca desigual, a escravatura, o trabalho não pago das mulheres, etc. Para que tudo ocorra no marco da civilização e não da barbárie, inventou-se a diplomacia e os contratos desiguais. Já Adam Smith alertou para existência de contratos desiguais sempre que há desigualdade de condições materiais ou outras entre as partes que entram no contrato. A máxima desigualdade ocorre quando a parte mais fraca não tem outra opção de sobrevivência senão aceitar o contrato com as condições que a parte mais forte oferece. Dos contratos de trabalho e dos contratos de serviços entre indivíduos e empresas multinacionais aos contratos de exploração de recursos naturais e aos acordos comerciais entre os países centrais e os países periféricos, é longa a história de contratos desiguais na modernidade ocidental.
A linha abissal entre seres plenamente humanos e seres sub-humanos
A hierarquia entre civilização e barbárie assumiu diferentes características ao longo dos séculos. A partir do século XVI, essa hierarquia foi utilizada para justificar o colonialismo, primeiro a justificação pela religião e depois, com o Iluminismo, a justificação pela ciência. Superioridade civilizacional passou a ser racial, branca. Como diz Frantz Fanon em Black Skins White Masks, é o racista que cria o seu inferior. A partir de então, a ideia de humanidade universal, tão cara aos iluministas, passou a depender dos limites do universo do que se considera humano. E, por definição da superioridade civilizacional, esse universo não abrange todos os humanos. Uma linha abissal emerge entre os seres plenamente humanos (os que pertencem à sociabilidade metropolitana) e os seres sub-humanos (os que pertencem à sociabilidade colonial). A demarcação de exclusão/inclusão é de tal modo radical que, embora institucionalizada no período do colonialismo histórico (escravatura, code noir de 1695, as leis segregacionistas Jim Crow do final do século XIX e início do século XX, os códigos do indigenato português a partir de década de 1920), passou a ser a segunda natureza da civilização ocidental, e como tal sobreviveu ao fim do colonialismo histórico e ao fim de todas as legislações discriminatórias. É hoje uma linha tão radical quanto invisível ao nível da normatividade institucional. É nela que assenta o racismo, o continuado roubo dos recursos naturais do Sul global e a troca desigual entre os países centrais e os países periféricos do sistema mundial. Na modernidade eurocêntrica não é possível a humanidade sem a sub-humanidade. Como é uma linha abissal, a sua existência não depende de leis ou de demarcações físicas (tipo apartheid) porque está inscrita no mais profundo do inconsciente colectivo da modernidade ocidental. Isto não significa que não esteja sempre disponível para ser visibilizada quando tal convenha aos poderes políticos encarregados de reproduzir a dominação moderna. Os muros fechando fronteiras e as deportações massivas de supostos criminosos são as duas formas hoje mais visíveis. Recordemos que as deportações, embora tenham uma longuíssima história, foram uma das principais formas de punição-povoamento no período inicial da expansão colonial europeia. Os portugueses usaram-na desde o século XVI, enviando os degredados para os territórios “descobertos”; a partir de 1717, os ingleses deportaram cerca de 40.000 pessoas para as colónias, primeiro para a América do Norte e depois para a Austrália (entre 1787 e 1855). À luz desta história compreende-se que Trump insista tanto em que os imigrantes são todos criminosos. Aprendeu bem a lição europeia.
A conquista
O princípio da conquista é inerente à modernidade ocidental. Não se limita à conquista territorial; inclui também a conquista da religião, da espiritualidade, da mente, das emoções, da subjectividade. A conquista usa múltiplas armas, desde as militares às económicas, educativas, discursivas, religiosas, lúdicas. A conquista “sabe” que encontrará maior ou menor resistência e por isso opera segundo a lógica da neutralização preventiva. O mais eficaz e económico uso da força é o que se fica pela ameaça. A conquista implica roubo, compra, apropriação, diplomacia e violência. Se olharmos para o actual território norte-americano veremos que ele é o resultado do mais radical exercício do plano moderno da conquista. Trump mantem-se fiel a esse exercício ao imaginar as sua novas conquistas territoriais
Soberania, inimigos internos e inimigos externos
A ideia de soberania moderna que emerge do Tratado de Vestefália (1648) está na origem tanto do nacionalismo como do internacionalismo modernos. Qualquer deles teve tanto de realidade como de invenção e os seus sentidos políticos foram diferentes e até contraditórios ao longo do tempo e segundo as circunstâncias. O exacerbar do nacionalismo entre os países colonizadores foi sempre o prenúncio de guerra, enquanto o nacionalismo dos países colonizados foi uma condição para a independência. Como os EUA são uma colónia que se tornou independente sem se descolonizar, o nacionalismo esteve tanto ao serviço da guerra como do isolacionismo.
Esta ambiguidade do conceito de soberania, ao mesmo tempo que criou a distinção entre inimigos internos e inimigos externos, tornou possível manipulá-la para servir os interesses políticos do momento. Assim, os imigrantes são, segundo Trump, uma entidade híbrida, entre o inimigo interno e o inimigo externo. A mesma manipulação é possível com os amigos internos e externos. Muito se terão surpreendido que Trump tenha começado por castigar com tarifas os amigos mais próximos (Canadá, México, Europa). Na lógica de Trump, como na da Francisco de Vitória, quem é rival económico é inimigo político, por mais amigo que pareça.
Dialética da revolução/contra-revolução
Devido ao seu expansionismo incessante e incondicional, a modernidade ocidental é constituída pela dialética entre a insurgência e a contra-insurgência. Quer uma quer outra usaram métodos mais ou menos violentos em períodos distintos e segundo as circunstâncias. Estamos num período em que a insurgência usa métodos não violentos (democracia, sistema judicial, opinião pública), enquanto a contra-insurgência usa crescentemente métodos violentos (discurso do ódio, crescimento da extrema-direita, ameaça de guerra). Ninguém pode antecipar as consequências desta discrepância. No passado, esta discrepância levou à prevalência da contra-insurgência.
E agora?
O excepcionalismo norte-americano está desconfirmado?
Sim. Tal como a Europa e todos os países do mundo, os EUA tanto podem produzir heróis como vilões, tanto podem criar democracias como destruí-las. A diferença do benefício ou do dano está no poder de cada país no sistema mundial moderno
O fascismo pode voltar?
Sim e não. Hitler deu o golpe em 1933 depois de ganhar as eleições de 1932. Trump ganhou as primeiras eleições em 2016 para preparar o golpe institucional (as nomeações para o Tribunal Supremo) e agora exerce o novo mandato como se fosse um golpe democrático. A extrema-direita de todo o mundo está muito atenta de modo a definir em cada país qual a estratégia que, na mesma linha, conduza aos mesmos resultados
Haverá guerra global?
É provável. No caso das guerras anteriores, alguns dos maiores defensores da paz foram os que mais prepararam a guerra e depois a travaram. Se houver guerra será com a China e, desta vez, o território norte-americano será teatro de guerra. Acho que os norte-americanos estão tão viciados na ideia do excepcionalismo que ainda não se deram conta disso.
A esquerda poderá pontualmente estar de acordo com Trump?
Pode. Esta resposta é certamente a mais polémica. Mas tomemos o exemplo da USAID. Durante anos os analistas críticos criticaram a USAID como sendo o lado benévolo da contra-insurgência levada a cabo pela CIA. Foi criada em 1961 para impedir que a revolução cubana se espalhasse por todo o subcontinente. A ajuda humanitária teve sempre como termo de referência desenvolver atitudes e comportamentos favoráveis ao imperialismo norte-americano. Os comentaristas ao serviço do império (sempre equivocados a respeito dos desígnios do império) desfazem-se em lamentações por mais este golpe de Trump na benevolência da ajuda dos EUA aos povos mais desfavorecidos. Sem dúvida que essa ajuda foi preciosa para as populações e o seu corte abrupto vai criar muito sofrimento. Mas não tardará que a China e os seus aliados preencham o vazio deixado pela USAID. Com melhores condições para os países beneficiados? Provavelmente sim, enquanto a China for o império ascendente. Depois se verá.
Editorial CULTURAL FM .
Um braço de Trump no Congresso? - Marcelo Godoy
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O Estado de S. Paulo
Deputado se ocupa em suas redes da defesa do americano e parece esquecer até a lição de seu ídolo
As relações entre o deputado federal Eduardo Bolsonaro e a administração Trump são conhecidas. Ele faz questão de as exibir nas redes sociais. Ali, pode-se ter uma ideia do que parece a filiação aos interesses de um centro político exterior, vinculado a uma potência estrangeira.
Nos 11 primeiros dias deste mês, o filho do ex-presidente fez 163 publicações em sua conta na rede X. Destas, 63 (38,5%) defendiam Trump e suas políticas, mesmo quando afetavam interesses nacionais, como a taxação de produtos brasileiros. Em segundo lugar, o deputado se ocupou da defesa dos interesses de seu grupo político e de seu pai – 23% das publicações. Outros dois temas ocuparam Eduardo: as críticas ao STF e ao TSE (17,7%) e a oposição ao presidente Lula, com 16,5%.
Para defender a decisão de Donald Trump de fechar a Usaid, Eduardo acusou a agência de enviar recursos ao TSE em 2022, sugerindo que ela teria influenciado as eleições no Brasil. Ataques à Usaid eram algo que só se via na boca da esquerda, que a acusava de ser um braço da CIA, ao denunciar o acordo MEC-Usaid. Nenhuma palavra de Eduardo sobre os R$ 17 milhões da agência enviados ao Brasil em 2024 para ações de proteção ambiental – uma ninharia, é verdade, mas alinhada à projeção de poder do País, não só em nosso entorno estratégico, mas como voz importante nas discussões internacionais sobre o meio ambiente.
Em vez disso, Eduardo compartilhou postagem de Rui Costa Pimenta, presidente do PCO, acusando Guilherme Boulos de ser “cria da Usaid”. Essa é a primeira vez que Boulos é tratado como um bom e velho agente da CIA. Será que Eduardo queria mostrar que o bolsonarismo é a Causa Operária da direita? Em outra oportunidade, comentou a notícia sobre a intenção de Lula reagir ao tarifaço de Trump contra produtos brasileiros. Escreveu: “Isso já não é um alcoólatra ‘presidindo’ o Brasil, é um lunático desvairado. Meu Deus!”
Lula pode ser a nêmesis da direita, um presidente que metade do País considera impróprio. Mas é o presidente. Bem ou mal, representa o País. Após Trump impor tarifas ao aço nacional, o deputado não voltou ao tema. A defesa do americano seria suficiente para inviabilizá-lo para dirigir a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa da Câmara? Os petistas dizem que sim.
Caberia a Eduardo uma pergunta similar a que Juraci Magalhães uma vez dirigiu a Luiz Carlos Prestes? Se determinados fatores históricos nos levassem a uma guerra com os Estados Unidos de Trump, o que faria Vossa Excelência? Em todo caso, é preciso lembrá-lo que, ao se vincular a uma direita internacional, o deputado parece ignorar a lição retomada por Trump: nações têm interesses e não amigos.
Editorial
Por que o governo está cada vez mais refém da direita?
Perdendo para fake news nas redes e sem mobilização, Lula 3 negocia em termos cada vez mais desiguais. Solução depende de comunicação, mas também de uma mudança estrutural da esquerda.
Orlando Calheiros
4 de fev de 2025, 11h16
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Foto: Fatima Meira/Agência Enquadrar/Folhapress
Diante da queda de popularidade do governo Lula e da chamada Crise do Pix, quando uma fake news de Nikolas Ferreira, impulsionada pelo Instagram da Meta, causou uma queda do uso da ferramenta bancária, o governo ainda hesita em como reagir. Coube à Erika Hilton fazer um vídeo viral desmentindo, enquanto o governo batia cabeça.
O problema não é apenas a comunicação. Antes fosse! A atuação desastrosa do governo durante a chamada Crise do Pix e sua reiterada incapacidade de gerir crises são sintomas de um problema que vai além da comunicação: é a expressão de um problema mais profundo.
O resultado direto da aposta do governo em uma estratégia repisada, em um modelo desgastado de conciliação entre agendas que, por definição, são inconciliáveis: uma aliança, por exemplo, entre os interesses dos trabalhadores e as demandas de setores industriais, entre o desenvolvimento social e os interesses do mercado, entre a promoção da diversidade e as pressões de grupos conservadores.
O resultado? Uma espécie de estado contínuo de crise de identidade que não apenas mina, dia após o outro, a popularidade do governo, como a sua própria capacidade de governar. Tornando-o um alvo fácil para a rapinagem do Centrão e campanhas de desinformação da direita.
E escrevo esta coluna no momento em que mais de 100 deputados, inclusive parlamentares que pertencem à base do governo, assinam um pedido de impeachment, provavelmente, natimorto.
Aqui, como sempre, é necessário recorrer à história para entendermos o presente. Como todos sabem, essa aposta na conciliação não é nenhuma novidade quando se trata das gestões petistas.
Desde o primeiro governo Lula – de fato, desde antes –, a estratégia sempre foi a de costurar alianças com setores historicamente antagônicos. Acreditava-se que um projeto desenvolvimentista consistente, o crescimento da nação, seria suficiente para mediar os conflitos entre os contrários.
Todos estariam bem enquanto fosse um bom negócio para todo mundo. Funcionou até deixar de funcionar.
O governo de Dilma Rousseff expôs os limites desse projeto já em seu primeiro mandato, quando ficou claro que a sanha pelo poder de alguns destes setores não seria contida por ganhos financeiros. E que quem me lê tenha em mente que não estou falando de manobras ilegais.
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A solução desesperada para frear o avanço golpista foi convocar Lula, como um Messias político, para salvar o barco à deriva. Não deu certo. O então ex-presidente foi impedido e o governo de Dilma caiu, vítima de um golpe promovido e financiado por setores que foram amplamente beneficiados pelo seu governo, como o agronegócio.De fato, setores que formavam a base de seu próprio governo.
Desde então, uma pergunta nos persegue: não tivesse sido impedido em 2016, Lula teria revertido a escalada conservadora? É factível imaginar que um único homem, por mais carismático e astuto que fosse, seria capaz de desmantelar o conluio entre militares, judiciário, agro, mercado e grupos conservadores ávidos pelo poder? A resposta me parece óbvia, inclusive para o próprio Lula, que afirmou categoricamente que seria incapaz de impedir o impeachment da ex-presidenta.
Contudo, essa constatação, um tanto óbvia, não impediu que o seu terceiro governo investisse na mesma estratégia, revisando o tom messiânico de sua convocação ministerial de outrora. Mais uma vez, repetiu-se a aposta de que o presidente Lula seria capaz de, sozinho, pela sua mera presença, carisma e astúcia, desmantelar o conluio de forças conservadores que tomou conta do país nos últimos anos, de cooptá-las para um novo projeto comum de desenvolvimento da nação brasileiro.
Não tem funcionado. Em larga medida, pois o Brasil de 2025 não é o mesmo de 2002.
A sociedade mudou. E muito! Os grupos conservadores de outrora, os mesmos que aceitaram participar dos primeiros governos Lula, que se beneficiaram de suas políticas desenvolvimentistas, que foram contemplados pela sua diplomacia conciliatória, muitos deles já não se satisfazem mais com um papel secundário na política. Querem mais do que apenas serem contemplados pela política, querem controlá-la. Desejam estar no centro do poder, desejam propriamente governar!
Um desejo que se ancora na capacidade desse conluio de manipular e surfar na insatisfação dos “endividados”, os “novos pobres” do Brasil. Estes que, diferente dos famélicos e pobres do passado, não se sentem contemplados pelas ações do governo voltadas para, justamente, os mais pobres. As mesmas que, no passado, garantiram a Lula uma ampla margem de aprovação popular, especialmente ao fim de seu segundo mandato.
Dito de outra forma, o PT e Lula, que nos anos 1990 e 2000 souberam canalizar tão bem a fome literal do povo, transformando-a em revolta política, hoje não conseguem dialogar com a fome simbólica de uma classe trabalhadora endividada, asfixiada pela diminuição de seu poder de compra e consumo.
E é aqui, justamente, que aparecem os problemas de comunicação do governo. As estratégias adotadas até o momento não tem se mostrado capazes de angariar e manter o apoio da população, especialmente dos “endividados”.
Não há grandes esforços na segmentação da mensagem, na consolidação de novos interlocutores capazes de alcançar públicos distintos, em novas linguagens e mídias. Há, apenas – e quando há – uma aposta na palavra e na imagem do presidente Lula, na esperança de que, mais uma vez, ele sozinho seja capaz de fazer algo acontecer, de mobilizar a população contra o conluio conservador.
O governo se percebe encurralado no Planalto. Incapaz de reverter o jogo por meio da pressão popular, se vê, mais uma vez, obrigado a negociar com aqueles que “representam” a insatisfação da população. Justamente com os políticos que representam o conluio conservador.
Percebem o tamanho do problema? Se antes o governo negociava com esses setores conservadores tendo a pressão popular ao seu favor, agora o faz em termos cada vez mais desiguais. Lula, sozinho, não será capaz de reverter esse quadro, como nunca foi.
Ao contrário do que se imagina, Lula não governou sozinho. O sucesso de seus governos anteriores, inclusive do seu projeto de conciliação, foi, em larga medida, o resultado de um esforço coletivo, do trabalho de pessoas que iam de José Dirceu a anônimos que atuavam na base.
O campo progressista atuava em uma espécie de – com o perdão do oxímoro – consonância dissonante que lhe garantia um poder de barganha diante dos setores conservadores.
Uma consonância dissonante que se dissolveu ao longo dos últimos anos, seja pelo abandono do “trabalho de base”, e aqui se inclui a renovação das estratégias de comunicação, por parte dos setores progressistas, seja pela ossificação partidária que impede a renovação dos quadros políticos, tornando-os mais alinhados com a população, e pelo fortalecimento da tendência autofágica do próprio campo, cada vez mais comprometido com disputas internas do que com a construção de um projeto verdadeiramente coletivo.
O descompasso do nosso campo explica as crises recentes do governo, mas também o fracasso retumbante da esquerda nas eleições municipais. E isso só irá mudar quando ocorrer uma mudança estrutural na própria forma como as esquerdas se organizam. Uma mudança que passa pela compreensão de que Lula é apenas um homem e não um messias reencarnado capaz de continuamente redimir a esquerda de seus pecados.
JÁ ESTÁ ACONTECENDO
Quando o assunto é a ascensão da extrema direita no Brasil, muitos acham que essa é uma preocupação só para anos eleitorais. Mas o projeto de poder bolsonarista nunca dorme.
A grande mídia, o agro, as forças armadas, as megaigrejas e as big techs bilionárias ganharam força nas eleições municipais — e têm uma vantagem enorme para 2026.
Não podemos ficar alheios enquanto somos arrastados para o retrocesso, afogados em fumaça tóxica e privados de direitos básicos. Já passou da hora de agir. Juntos.
A meta ousada do Intercept para 2025 é nada menos que derrotar o golpe em andamento antes que ele conclua sua missão. Para isso, dependemos do apoio de nossos leitores.
Orlando Calheiros@AnarcoFino
Editorial
Orgulho nacional e autoestima: modelo Trump –
Pedro Malan - O Estado de S. Paulo
Pela primeira vez na História a desordem mundial é provocada e incentivada pelo governo da maior potência econômica e militar do planeta
“O orgulho nacional é, para os países, o que a autoestima é para os indivíduos: uma condição necessária para o autoaperfeiçoamento. Orgulho nacional excessivo pode produzir belicosidades e aventuras externas, excessiva autoestima pode produzir arrogância.” A frase foi escrita por Richard Rorty a propósito de seu país, os EUA.
Em meu artigo mais recente para este espaço, comentei os três elementos fundamentais do modus operandi trumpista: fazer ameaças, alcançar acordos (propiciados pelas ameaças), e declarar vitória, sempre. Em menos de 20 dias do início do segundo mandato de Donald Trump, esse tripé vem se confirmando, para perplexidade e inquietação generalizadas do mundo, a indicar claramente quão mais turbulento será o quadriênio 2025-2028. Trump decididamente já mostrou que é portador de excessiva e indiscriminada belicosidade, e não menos excessiva arrogância, diariamente explicitadas nas mídias sociais e em improvisos variados.
Pela primeira vez na História a desordem mundial é provocada e incentivada pelo governo da maior potência econômica e militar do planeta. O que disse Trump nos últimos dias sobre o futuro de Gaza e dos seus mais de 2 milhões de habitantes mostra que seu húbris (arrogância) desconhece limites. A confiança, mesmo entre tradicionais aliados, não deixará de sofrer abalos.
É verdade que Henry Kissinger, logo no início de seu indispensável livro World Order, alerta que uma ordem mundial verdadeiramente global nunca existiu: “No truly global ‘world order’ has ever existed”. O que passa por “ordem” em nosso tempo, nota o autor, foi concebido na Europa Ocidental há quase quatro séculos com o “Tratado de Westfália”, que pôs fim a 30 anos de guerra (1618 a 1648) na qual quase um quarto da população da Europa central morreu devido a combates, doenças ou fome. O tratado promoveu uma acomodação pragmática: uma multiplicidade de unidades políticas, muitas aderindo a filosofias e práticas religiosas contraditórias, e desprovidas de poder suficiente para derrotar ou subjugar as demais, cedeu lugar a um sistema de Estados independentes. Em que foram refreados impulsos de intervenção nas questões domésticas de outros Estados, e mantidas em xeque as ambições de cada um através de um geral “equilíbrio de poder”. No qual cada Estado tinha poder soberano no âmbito de seu espaço territorial, cuja integridade haveria de ser preservada pelos demais.
Os negociadores da paz de Westfália não imaginaram que estavam a lançar as fundações de um sistema que viria a ser globalmente aplicável. Kissinger concluiu, após examinar múltiplos conceitos de “ordem”, que os princípios westfalianos constituem ainda hoje a única base geralmente reconhecida do que seria uma ordem global. Por isso foram inscritos, mais de 300 anos depois, na Carta das Nações Unidas (junho de 1945), segundo a qual “a Organização é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros”. A Carta prevê também, ora vejam, que “todos os membros deverão abster-se nas suas relações internacionais da ameaça ou do uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado”.
Trump foi legitimamente eleito, e de forma avassaladora. Ao longo da campanha, deixou claro o que faria, nos fronts externo e doméstico. Em ambos, encontrará resistências. No front externo, vale registrar a serenidade e compostura demonstradas pela presidente do México, Claudia Sheinbaum, e por Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, em suas primeiras respostas à decisão de Trump de elevar em 25% as tarifas sobre suas exportações para os EUA. Exemplos a serem seguidos.
Quanto ao front interno, escreveu um juiz federal norteamericano anos atrás: “Presidents are not kings”, portanto estão sujeitos a filtros, freios, pesos e contrapesos de uma sociedade democrática. Que inclui um Partido Democrata que tem de entender o porquê de sua fragorosa derrota, de preferência antes das eleições para a Câmara dos Deputados em 2026.
Kenneth Arrow escreveu: “A maior parte dos indivíduos subestima a incerteza. Enormes danos têm se seguido à crença na certeza, seja em inevitabilidades históricas, seja em posições extremas sobre política econômica”. Vale para os Estados Unidos, vale para o Brasil, vale para qualquer país em qualquer época. Na mesma linha de Rorty, citado na abertura deste artigo, Raymond Aron recomendava que espectadores engajados deveriam evitar excessos, tanto de entusiasmo quanto de indignação. E Eduardo Giannetti, que os “dois gumes da lâmina” contivessem os excessos, seja de otimismo, seja de pessimismo.
Todos – Rorty, Aron e Giannetti – tinham em mente a necessidade de evitar polarizações excessivas que impedissem a busca de convergências possíveis. Que sempre existem, tanto em questões de política doméstica quanto nas relações internacionais de um país. O que precisamos hoje é que as políticas – as domésticas e a externa – se tornem menos um discurso sobre o verdadeiro, o falso e o fictício; e mais um debate sobre quais esperanças permitir a nós mesmos e quais abandonar. Como Dante em Inferno, Canto III.
Editorial
Em busca do propósito da vida - Cláudio Carraly
A busca pelo propósito é uma jornada que ecoa através dos tempos e culturas, uma odisseia intrínseca à condição humana, desde o alvorecer mais remoto da história, contemplamos a razão de existir, procurando significado em um universo aparentemente vasto e indiferente, o chamado “propósito” é como uma estrela distante, uma luz guia que cintila no horizonte do desconhecido, convidando-nos a explorar as profundezas do nosso ser e a desvendar os mistérios da vida.
Encontrar o propósito é uma jornada repleta de desafios e questionamentos, muitos de nós nos encontramos perdidos em um labirinto de possibilidades, em busca de um fio condutor que dê sentido às nossas vidas repletas de imensos vazios, sim, estamos cheios de nos sentir vazios. Nossa psique é um oceano de emoções, pensamentos e impulsos, navegar por suas profundezas requer autoconhecimento e coragem para enfrentar nossos medos e inseguranças, e por muitas vezes o que buscamos se esconde nas camadas mais profundas da nossa alma, aguardando para ser descoberto através da introspecção, reflexão e da autoaceitação.
Vivemos em uma sociedade que muitas vezes impõe expectativas e normas irreais e que rotineiramente vibram em dissonância com nosso verdadeiro eu, a pressão para seguir uma carreira lucrativa, manter um determinado padrão de vida ou cumprir com papéis sociais pré-definidos pode desviar-nos do caminho em direção ao nosso propósito autêntico, impelindo-nos a uma busca incessante por validação externa em detrimento da nossa própria felicidade e realização pessoal.
O vazio da existência é uma sombra que paira sobre muitos de nós, uma sensação de que a vida é efêmera e de que nossas ações são insignificantes diante da vastidão do universo, esse medo pode nos levar a questionar o sentido de tudo que existe, inclusive os conceitos mais básicos como realidade e completude, levando a busca desesperada por significado para preencher a lacuna que sentimos dia a dia, e a sensação crescente de perda de tempo e falta de objetivo, só piora nossa condição mental.
Encontrar propósito requer um mergulho bem profundo em autoconhecimento e partir disso na autodescoberta, essas premissas são quase lugares-comuns, o que não é será o fato que a grande maioria das pessoas não consegue atingir esses, é preciso sintonizar-se com a nossa intuição, ouvir a voz interna que costumamos abafar, àquela que sussurra, quando não grita nossas verdadeiras paixões. O caminho a seguir muitas vezes se revela nos signos diários do cotidiano, nos pequenos momentos de conexão genuína com os outros e com o mundo ao nosso redor. A chave está em aprender a confiar em nossa bússola interna e seguir o caminho que ressoa com a nossa essência mais profunda, leia os sinais, eles estão em todo lugar.
O propósito não é um destino a ser alcançado, mas sim uma jornada de crescimento e constante transformação, é importante lembrar que a existência em si é uma epopeia cheia de altos e baixos, curvas inesperadas e obstáculos aparentemente insuperáveis, cada experiência ao longo da trajetória é uma oportunidade de aprendizado e crescimento, por vezes felizes e doces outras, dolorosos e tristes, mas geralmente apenas enfadonhas e repetitivos, mas ensinando lições valiosas sobre quem somos e qual é o nosso lugar no mundo e qual nossa tarefa a cumprir nele. Mas aqui vai à resposta final que tanto buscamos, o que é o verdadeiro propósito da vida? Esse reside na jornada em si, sim, está na trilha, no trajeto, no caminho, sei que é um pouco anticlimático, chegando a ser insignificante, mas lamento é isso mesmo, o caminho trilhado é seu verdadeiro proposito.
Assim como no céu noturno, cada pessoa possui sua própria constelação única de propósitos e significados, o que traz sentido à vida de uma pessoa pode não ter o mesmo impacto na vida de outra, algumas pessoas encontram significado na arte, na criatividade e na expressão pessoal, enquanto outras encontram propósito na busca pelo conhecimento, na conexão com a natureza ou no auxílio ao próximo. Não há uma resposta individualizada para a questão, ao contrário, há uma infinidade de estrelas brilhantes pontilhando o céu da existência, cada uma oferecendo uma luz única e inspiradora, e olhar para àquela que melhor pontei sua trilha e seguir como os marinheiros seguiam o cruzeiro do sul ou a estrela polar.
A busca é uma jornada sem fim, em uma infinidade de termos e recomeços, uma exploração da condição humana, à medida que navegamos pelas tramas da existência, somos desafiados a confrontar nossos medos, descobrir nossas vilanias, abraçar nossas virtudes e ao final revelar nossa essência, aí temos o sumo do nosso eu, e sabendo quem somos fica fácil saber o que viemos fazer aqui. Que possamos continuar a buscar nossos propósitos individuais, guiados pela luz emanada do nosso ser interior, e que cada passo nos aproxime um pouco mais da nossa verdadeira essência, que nossas jornadas sejam repletas de significado, conexão e autenticidade, que possamos encontrar paz e realização no caminho que escolhemos percorrer.
Sabemos o quão desafiador pode ser sentir-se perdido ou questionar o propósito da existência, para muitos, essas vírgulas existenciais surgem da necessidade de encontrar razão para estar aqui e agora, de sentir que poderíamos fazer mais, melhorar as coisas conforme se apresentam. São essas pessoas que impulsionam a busca por uma vida mais significativa, que traçam o caminho, vigilantes, para que outros não se percam. Lembremos sempre que toda grande caminhada começa com um simples passo, e que, ao abraçarmos nossas jornadas com coragem e autenticidade, podemos encontrar não apenas nosso propósito, mas também a plenitude e alegria que tanto almejamos, e por vezes elas são bem mais simples que pensamos.
*Cláudio Carraly. Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco
Democracia Política e novo Reformismo: Em busca do propósito da vida - Cláudio Carraly
Editorial Cultural FM Torres RS - www.culturalfm875.com
AO MESTRE DOS PAJADORES, Jaime Caetano Braun
Carlos R. Hahn
Foi num trinta de janeiro
No distrito da Bossoroca
Que Deus no pampa coloca
Pra ser na Terra luzeiro
Com seu verso altaneiro
Em décima espinela
Um poeta que revela
No seu dom de pajador
Como se fosse um pintor
Seus versos numa tela
Com sua paleta de cores
Fez paisagens missioneiras
Retratou as lidas campeiras
Com todos os seus sabores
Pôs borboletas nas flores
Acendeu o fogo-de-chão
Bem no meio do galpão
E na tarde em arremate
Sentou pra sorver um mate
Para buscar mais inspiração
Inspiração que não faltava
A esse mestre do verso
Pois todo o universo
De poesia transpirava
Quando Don Jayme pintava
Já no seguinte instante
De pronto, no soflagrante
Em redondilha maior
Lapidava o artista mor
ANEXOS
Hoje, 30 de janeiro comemoramos o Dia do Pajador Gaúcho. A comemoração é uma homenagem ao poeta e payador missioneiro Jayme Guilherme Caetano Braun, que nasceu em 30 de janeiro de 1924, na Fazenda Santa Catarina, situada na localidade de Timbaúva, na época 3º distrito de São Luiz Gonzaga, hoje município de Bossoroca.
Raízes - Bing Vídeos
Noel Guarani em Homenagem a J.C. Braun - Bing Vídeos
J.C.Braun – documentário -0 JAIME CAETANO BRAUN documentario - Pesquisar Imagens
Editorial
Cultural FM Torres RS - www.culturalfm875.com
O triunfo da razão, por r Sérgio Alves | jan 24, 2025 - O triunfo da razão | Revista
Será? Penso, logo, duvido.
Hjalmar Schacht
Revendo trecho da pesquisa que ensejou meu livro O Estado do Líder (2024),
encontrei diversas referências sobre a ambígua interação entre liderança carismática e
autoridades de órgãos estatais. Dentre essas, ressalto a dúbia relação entre um
político demagogo e um renomado economista do primeiro escalão do seu governo,
em circunstâncias marcadas por incertezas e imprevisibilidades. Especificamente,
descrevo a trajetória de Hjalmar Schacht na Alemanha hitlerista por refletir com nitidez
a incontornável tensão nesse tipo de relacionamento.
Após quatro anos de êxitos econômicos do governo nacional-socialista, iniciado em
1933, a Alemanha mergulha em uma crise no câmbio, em meio ao desequilíbrio fiscal,
à escassez de alimentos, e com a inflação saindo do controle. Por conta disso, o
conceituado financista H. Schacht, presidente do Banco Central (1933-39) e ministro
da Economia (1934-37), sentencia que o país não pode bancar, simultaneamente,
“armas e manteiga”. Essa avaliação crítica evidenciou desacordos entre as diretrizes
econômicas e a agenda do Plano Quadrienal de Rearmamento, sob a coordenação de
H. Goering, ministro da Aviação e tido como a segunda maior autoridade na hierarquia
governamental, apenas abaixo do Führer (Adolf Hitler). Cabia a Goering a
responsabilidade de coordenar uma imensa estrutura ad hoc voltada para a produção
acelerada de material bélico e de construções militares. Os contínuos e vultosos
gastos requeridos para esse propósito provocavam embates frequentes e negociações
intermináveis entre as equipes desses dois ministros. A consequência dessa
inconciliável disputa foi a decisão de Hitler em destituir o banqueiro do ministério da
Economia.
Em janeiro de 1938, o jornalista W. Funk, ex-chefe do comitê de política econômica do
partido nacional-socialista, é nomeado para o ministério. Mas Schacht permanece
como presidente do Banco Central. No final desse ano a economia alemã registra uma
despesa com rearmamento da ordem de um terço do orçamento e um déficit fiscal
acendendo de maneira assustadora. Então, mais uma vez, Schacht expressa a sua
contrariedade com o desequilíbrio das contas públicas, enviando uma enérgica carta
ao Führer em que condena as desenfreadas despesas governamentais, o que poderia
provocar uma explosão inflacionária. Diante dessas ponderações críticas, Hitler
resolve designar o ministro da Economia Funk para assumir cumulativamente a
presidência do Banco Central. Entretanto, devido à respeitabilidade que Schacht
desfrutava nos meios financeiros internacionais, era importante a sua continuidade no
gabinete ministerial, a despeito de sua posição reticente em relação ao nazismo. Ele
não recusa permanecer no governo, na condição de ministro sem pasta.
Importa lembrar que, nos anos vinte e antes da hegemonia do partido nazista, Schacht
havia participado de uma exitosa e criativa reforma monetária que, em 1923, levou a
Alemanha a conviver com duas moedas – ideia essa que inspirou parcialmente a
concepção do nosso bem-sucedido Plano Real. O controle da hiperinflação alemã foi
decisivo para o aumento da credibilidade e do prestígio de Schacht, culminando com
sua nomeação naquele ano à presidência do Banco Central, o que lhe propiciou
condições para negociar créditos internacionais e investimentos estrangeiros para a
Alemanha. O período de 1925-28 é de relativa prosperidade para o país, que passa
por um distensionamento político e no âmbito internacional vem a integrar a Liga das
Nações. Por discordar do rumo das negociações sobre o pagamento das dívidas
externas, em 1930, Schacht abdica do cargo de presidente do Banco. Em meados do
ano seguinte a crise econômica mundial atinge profundamente a Alemanha.
Instituições financeiras e inúmeras empresas pedem concordata ou entram em
falência, e há o colapso de reservas em moeda estrangeira no país. O cenário
econômico, em 1932, é devastador: a produção nacional tem vertiginosa queda, as
dívidas interna e externa ficam fora de controle, o desemprego dispara e o sistema
bancário perde liquidez. Na esfera política, o partido nazista torna-se a maior força do
parlamento. No ano seguinte, é inevitável que Hitler seja alçado ao cargo de primeiro-
ministro.
Ele governaria por seis anos, com paz na Europa. A partir de 1939, porém, o regime
hitlerista passa a articular o esforço da guerra de conquistas territoriais com a
obtenção de novos recursos e a geração de receitas para diminuir o déficit
orçamentário. Nesse sentido, quadros técnicos dos ministérios do setor econômico-
financeiro e do Banco Central precisavam decidir conjuntamente sobre rotinas e
procedimentos para calcular taxas diversas, efetivar cobranças e recolher tributos nos
países subjugados, além de elaborar certidões de créditos de guerra e operar políticas
de câmbio, entre outras tarefas. Algumas entidades passaram por uma reestruturação
administrativa que incluía o gerenciamento geograficamente descentralizado. Para
tanto, o Banco Central designou funcionários para atuar junto aos bancos
correspondentes em países ocupados. Com o suporte da estrutura policial e
paramilitar, era também procedida a expropriação de bens e o confisco de
propriedades das minorias judaicas nos territórios desses países. Em um segundo
momento foi imposto o trabalho escravo e realizada pilhagens de populações inteiras,
culminando com as execuções massivas nos campos de extermínio. O
Terceiro Reich achava ter encontrado na própria guerra um meio para financiá-la. Isto
é, a guerra alimentando a guerra vinha a ser um princípio relevante para o
expansionismo germânico.
No final de janeiro de 1943, o ministro sem pasta Schacht pede para sair da fragilizada
estrutura burocrática profissional do Estado do Führer. Dias depois, em 2 de fevereiro,
a máquina de guerra alemã é derrotada pelas forças armadas soviéticas na gigantesca
batalha de Stalingrado, marcando o início do irreversível declínio do totalitarismo
nazista. Em julho do ano seguinte, Schacht é acusado de ter participado do grupo de
conspiradores, na chamada Operação Walkyria, que atentaram contra vida de Hitler
por meio da explosão de uma bomba. Foi detido pela Gestapo, três dias após o
atentado, e aprisionado em um campo de concentração até ser libertado por tropas
americanas no final da guerra. Terminado o conflito europeu, inicia-se o processo de
desnazificação da Alemanha e o julgamento das principais autoridades
do Reich hitlerista. Schacht está entre os vinte e um réus no Tribunal Internacional de
Nuremberg, mas foi um dos quatro julgados inocentes.
Ao fim e ao cabo, razão e objetividade prevaleceram sobre paixão e fanatismo. Como
assinala Max Weber, o domínio carismático é efêmero e, inexoravelmente, cede lugar
à duradoura estabilidade da estrutura burocrática. Com efeito, o triunfo da vontade
do Führer se fez valer por doze anos, tempo desprezível em termos históricos, não
obstante as suas abomináveis consequências. Muito embora tenha ocorrido há
dezenas de anos, este caso singular ainda pode suscitar insights para compreender a
contraveniente relação entre o voluntarismo de um governante populista e a
racionalidade funcional de um dirigente técnico-especializado da burocracia estatal.
O que diz a Mídia sobre Trump – O GLOBO, VALOR, FSP
Trump fará mal ao planeta - O Globo - Efeitos nefastos do novo mandato se estenderão do clima à geopolítica, da economia à regulação da tecnologia
Ninguém pode se dizer surpreso com as primeiras medidas tomadas por Donald Trump ao assumir a Presidência dos Estados Unidos. Elas refletem tudo o que ele repetiu ao longo da campanha que o levou de volta à Casa Branca e, por absurdas que sejam, se alinham com o desejo dos eleitores americanos. Não quer dizer que sejam menos preocupantes ou menos assustadoras. Vistas no conjunto, representam retrocesso em diversas áreas — do clima à geopolítica, da economia à tecnologia. A colonização de Marte prometida por Trump é para lá de incerta, mas o Planeta Terra certamente ficará pior com ele no poder.
Na política externa, há uma contradição entre o Trump que se proclama “pacificador e unificador” e o Trump que pretende retomar o Canal do Panamá, nutre pretensões sobre Groenlândia e Canadá e quer mudar o nome do Golfo do México. De um lado, ele foi essencial na negociação para libertar reféns do Hamas — fato que suscitou aplauso unânime na posse. De outro, ameaça a China e fala em investir nas “Forças Armadas mais fortes de que o mundo tem notícia”. Qual Trump prevalecerá, o bélico ou o pacifista?
Se no aspecto militar pode haver dúvida, no econômico não há nenhuma. Trump abraçou a agenda mercantilista que tenta proteger a indústria local por meio de tarifas, enxerga déficits externos como problemas e considera o comércio internacional um jogo de soma zero. Promessas populistas — como a revisão no sistema tarifário para “beneficiar famílias americanas” ou exigir das agências federais que trabalhem para “derrotar a inflação” — são equívocos que, uma vez postos em prática, cobrarão seu preço em termos de crescimento e produtividade. Terão o efeito contrário ao desejado.
Mais grave é o incentivo que, sob o pretexto de preservar empregos americanos, Trump pretende dar à exploração de petróleo e gás e à indústria baseada no motor a combustão. O corte dos estímulos à transição energética introduzidos por Joe Biden e a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris representam um recuo na agenda ambiental de consequências gravíssimas. Sem o compromisso do governo americano para reduzir emissões dos gases de efeito estufa, os danos das mudanças climáticas já em curso se agravarão.
Outro retrocesso previsível se dará na regulação das redes sociais. Não foi coincidência a presença dos líderes das maiores plataformas digitais na primeira fileira da plateia da posse. Trump cedeu aos apelos daqueles que, disfarçados de defensores da liberdade de expressão e da inovação, se recusam a assumir responsabilidade pelos danos que causam. O decreto revogando as precauções adotadas pelo governo Biden na inteligência artificial foi um primeiro sinal preocupante.
São um recuo civilizatório as medidas para desmantelar políticas de diversidade e inclusão, em especial as relativas à comunidade LGBTQIA+. E foi um absurdo oportunista o perdão aos insurretos que invadiram o Capitólio para tentar mantê-lo no poder.
Como esperado, Trump concentrou energia nas medidas de restrição à imigração ilegal. Parte delas traduz seu impulso populista — a deportação de milhões é um mistério de ordem prática. Outra parte enfrentará obstáculos na Justiça — como revogar a cidadania dos nascidos em solo americano. As turbulências jurídicas e políticas do primeiro mandato de Trump poderão parecer pequenas ante o que está por vir.
Trump inaugura governo com desafios à ordem global- Valor Econômico - Presidente americano passa a impressão de que tudo pode, mas a realidade é bem diferente
Donald Trump voltou à Presidência dos Estados Unidos com a energia recomposta por uma reviravolta política inesperada da política americana. A experiência, porém, nem sempre conduz à moderação ou à sabedoria, e Trump imediatamente assinou decretos que, se forem executados como concebidos, prometem arrematar a obra de destruição da ordem internacional construída pelos EUA, iniciada no primeiro mandato. “America first”, termo no discurso de posse, é um cognome para o isolacionismo reativo - os interesses do governo americano não poderão mais ser contrariados, sejam quais forem.
A lista de medidas é variada e abrangente, a maior parte delas instruções para que os departamentos do governo reúnam dados que comprovem teses trumpistas. As tarifas não foram nem por um minuto esquecidas. Ele disse que provavelmente em fevereiro taxará em 25% produtos mexicanos e canadenses, com os quais tem um acordo comercial, já modificado em seu primeiro mandato por exigência sua. A primazia de os parceiros inaugurarem a lista de punições diz o suficiente sobre o que Trump pensa sobre tratados comerciais - nada valem se não forem totalmente convenientes aos EUA. Trump ignora tarifas comuns e mobilidade de mão de obra - objetivos fundamentais de qualquer acordo comercial - e ainda determinou emergência na fronteira do México para conter a imigração, com o auxílio de tropas.
O estilo “transacional” do presidente se revela em outra medida inesperada, que atende à aliança com os bilionários das big techs, pressionados em todo o mundo e que acorreram a uma aliança com Trump para tentar impedir todas as regulações que lhes sejam prejudiciais na arena internacional. Trump determinou que as agências do governo colham dados, visando medidas retaliatórias, dos países que cobrem impostos “extraterritoriais” das multinacionais americanas. Esse é o núcleo do pacto global feito pelos países da OCDE em 2021, para uniformizar taxação mínima a multinacionais de qualquer setor e país que se abriguem em paraísos fiscais para pagar menos tributos. A Receita brasileira se prepara para cobrar o imposto mínimo, cuja arrecadação em 2025 está estimada em R$ 7 bilhões.
Determinar objetivos políticos para discriminações comerciais tende a provocar o caos no comércio global, embora a prática exista há tempos, de forma dissimulada. Trump tarifou aço e alumínio de seus aliados com base em ameaças à segurança nacional. Trump paralisou a OMC em seu primeiro mandato, e o democrata Joe Biden nada fez para ressuscitá-la. Agora prepara o longo inverno da organização com tarifas discriminatórias arbitrárias baseadas no puro poder econômico do maior mercado do mundo.
Os EUA se retirarão do Acordo de Paris novamente, em grande estilo. O presidente decretou emergência energética, cujo objetivo deve ser a eliminação de todas as restrições colocadas pelo “extremismo climático” para a exploração de combustíveis fósseis. A agenda verde de Biden será dizimada, a começar pelos subsídios aos carros elétricos, com consequências extensivas à maior parte das energias alternativas. Trump justificou a necessidade com o álibi de baixar a inflação, causada, para ele, por gastos públicos exagerados e pela explosão do custo energético. Para os gastos públicos, criou um Departamento de Eficiência Governamental a cargo do homem mais rico do mundo, Elon Musk, que começou a fazer cálculos e já diminuiu a economia prevista pela metade, para US$ 1 trilhão - com forte viés de baixa.
A receita de tarifas mais altas e corte de impostos é inflacionária e encontra a economia americana em boa forma. Juros descerão com menor velocidade e o dólar fará a mesma coisa, para cima. Trump quer reduzir à base de ultimatos o déficit comercial, mas suas medidas tendem a diminuir a competitividade americana. Talvez isso não faça muita diferença em seu mundo isolado onde, ao que parece, o que importa é produzir localmente. E, ao apelar para impostos de importação sobre todas as mercadorias, com fins de arrecadação, ele pode atrasar o desenvolvimento tecnológico do país, elevar preços e acumular fracassos na área fiscal.
Além da paranoia sobre “milhões de criminosos” que serão deportados, Trump fará uma varredura, por seus próprios critérios, em países que têm “controles deficientes” sobre migração. Tanto nesse ponto, quanto no da “global tax” e em muitos outros, o Brasil poderá ser alvo de uma disputa mesmo sem antagonizar os EUA, disposição agora explícita do presidente Lula. Como todos os países, o Brasil pode ser vítima do torvelinho “transacional” das exigências americanas.
Trump tem de fazer tudo rápido porque seu mandato tende a se esgotar em dois anos. Há divergência em sua equipe sobre timing, magnitude e alvos de tarifas e, com a exígua margem republicana na Câmara e no Senado, defecções serão fatais. Trump e Musk tentaram eliminar o limite para a dívida do Estado - algo estranho para quem busca eficiência governamental - e foram derrotados por revolta de republicanos fiscalistas. Trump passa a impressão de que tudo pode, mas a realidade é bem diferente.
Ao deixar Acordo de Paris, Trump ameaça a COP de Belém - Folha de S. Paulo - Dano pode ser mais diplomático que físico; EUA já vêm reduzindo emissões, mas dão pretexto para inação de demais países
Um exemplo cabal do conflito ideológico nos Estados Unidos está no vaivém de seu governo quanto ao Acordo de Paris. Em 2017, no primeiro mandato, Donald Trump retirou o país do tratado. Em 2021, Joe Biden retornou, mas o presidente ora reempossado volta a abandonar o acordo.
A defecção da nação mais poderosa do mundo abre flanco pernicioso na já claudicante negociação para conter o aquecimento da atmosfera e aumenta o pessimismo com resultados na próxima cúpula do clima, a COP30 a realizar-se em Belém (PA).
O dano ao processo poderá ser mais diplomático que físico. Afinal, a economia dos EUA já observa trajetória de redução de emissões de carbono que o voluntarismo de Trump pode até frear ou, mais dificilmente, reverter. Dará, contudo, pretexto para outros 194 signatários continuarem a nada resolver.
Não que a contribuição americana para agravar a crise do clima seja pequena. Os EUA são o segundo maior poluidor mundial, com produção anual de 4,9 bilhões de toneladas equivalentes de CO2 (GtCO2eq, medida que reduz a denominador comum todos os gases do efeito estufa).
Isso corresponde a 13% do total emitido no planeta e a uma das maiores taxas per capita, de 14 toneladas a cada ano. A campeã absoluta, China, emite 12,7 GtCO2eq, 33% em termos globais, mas no cálculo por habitante fica aquém (9 toneladas).
Do Rio (1992) a Paris (2015), as tratativas se basearam no princípio de que países desenvolvidos fariam esforço maior para diminuir o impacto do aquecimento. Por isso a China só se comprometeu com atingir um pico de carbono antes de 2030 e então começar a reduzir emissões para alcançar neutralidade até 2060.
Os EUA tinham meta mais estrita: cortar, até 2025, de 26% a 28% sobre os níveis de 2005. Como o país emitia cerca de 6 GtCO2eq há duas décadas, os percentuais se traduzem em 4,4 a 4,3 GtCO2eq —não tão longe das 4,9 GtCO2eq atuais, ainda que na prática descumprindo o compromisso agora abandonado.
Há incerteza também sobre as metas de outras nações, dado que o Acordo de Paris não prevê sanções. Alguns signatários adotam compromissos em aparência ambiciosos, porém demasiado flexíveis, como o Brasil: 59% a 67% de redução até 2035 sobre 2005, com margem ampla para computar captura de carbono de recuperação florestal.
Resulta daí a baixíssima probabilidade de não ser ultrapassado o limite fixado na capital francesa de 1,5ºC de aquecimento. Mesmo que se cumpram todos os compromissos nacionais, sobrariam depois de 2030 meras 70 GtCO2eq para emitir com queima de combustíveis fósseis.
A cifra equivaleria a apenas dois anos de emissões, o que tornaria inexequível alcançar a neutralidade até 2050. Mais, ainda, com carta branca de Trump para novos poços de petróleo e desinvestimento em energias limpas.
Editorial
Trump: um golpe de misericórdia nos EUA?
O retorno de Trump nos EUA é, na prática, resultado de um choque possivelmente fatal contra o que ainda resta dessa república imperial
David Brooks
La Jornada
Nova York
21 de janeiro de 2025, às 14:49
Tradução: Beatriz Cannabrava
Entre as primeiras demandas do presidente eleito, justo antes de sua posse, esteve içar as bandeiras oficiais até o topo e anular a ordem do governo anterior, que determinava que as bandeiras deveriam estar a meio mastro como parte do luto nacional pela morte do presidente Jimmy Carter. Para Trump, esta é sua festa e ninguém iria estragá-la.
No entanto, o retorno de Trump, na prática, é resultado de um golpe possivelmente fatal contra o que resta dessa democracia, e sua posse deveria ser um dia de luto pelo que ainda resta dessa república imperial. Alguns alertam que o retorno de Trump é possivelmente o golpe de misericórdia.
O país “da liberdade”, a partir desta segunda-feira, é liderado por um criminoso condenado, um estuprador e abusador sexual, um golpista, um campeão da mentira e um autoritário que ameaçou usar as autoridades judiciais e forças de segurança, incluindo as militares, para reprimir seus opositores. Com ele, continuará a anulação de direitos civis, trabalhistas e ambientais e outras conquistas sociais das últimas décadas no país, impulsionará a xenofobia, continuará a censura de livros, garantirá o direito sagrado às armas de fogo, tudo enquanto os mais ricos ficam ainda mais ricos. Em relação à política externa, teremos um ultranarcisista admirador de autocratas liderando o que Jeffrey Sachs qualifica como “o país mais ilegal e perigoso do mundo” nas últimas décadas.
Como é possível que ele esteja de volta? Continua sendo a pergunta repetida incansavelmente. São muitos os fatores, incluindo a profunda disfunção do sistema político que o próprio ex-presidente Carter classificou como “uma oligarquia, com suborno político ilimitado”. Por outro lado, sua eleição também comprova o fim do princípio fundamental de que neste país ninguém está acima da lei.
Hannah Arendt, em sua exploração do totalitarismo há décadas — e que agora é leitura obrigatória para entender esta conjuntura — aponta uma das grandes manobras que também explica a atual conjuntura estadunidense: “a mentira constante não tem o propósito de fazer o povo acreditar em uma mentira, mas de garantir que ninguém mais acredite em nada. Um povo que já não pode distinguir entre a verdade e a mentira, entre o certo e o errado… Com esse povo, pode-se fazer o que se quiser”.
O jornalista e analista Chris Hedges lembra que ele, junto a outros como Noam Chomsky, alertou nos últimos 20 anos que a crescente desigualdade social e a erosão das instituições democráticas estavam inevitavelmente conduzindo a um Estado autoritário ou fascista cristão. Ele aponta que escreveu em 2007 que “a desesperança… essa anulação do futuro, levou os desesperados aos braços daqueles que prometem milagres e sonhos de glória apocalíptica”. Mas hoje ele ressalta que Trump é um sintoma, não a doença, já que “a perda das normas democráticas começou muito antes”, e seu retorno ao poder é parte da morte do sistema político do país.
A Estátua da Liberdade chora, mas as comunidades que ela convidou desde que chegou como imigrante da França, e que construíram e deram vida a este país, se preparam para enfrentar as forças das trevas e o clássico valentão covarde de escola secundária, que sempre ataca os mais vulneráveis para demonstrar sua força. Têm como aliados uma vasta gama de defensores de direitos e liberdades civis das mulheres, dos imigrantes, das chamadas minorias, dos gays, junto com setores progressistas de sindicatos, ambientalistas e outros progressistas em todos os cantos deste país.
Depois de ter permitido o triunfo da direita eleita por uma minoria, essas forças agora enfrentam o desafio de criar a resistência necessária para a ressurreição dos direitos e liberdades que são os sinais de vida de uma democracia. Dependerá, sobretudo, das dimensões de uma indignação coletiva (aquela convocação de Stéphane Hessel: indigne-se) diante da injustiça que proclama seu triunfo a partir de hoje.
Trump: Eis o homem
Expulsão de imigrantes, taxação de países, combate a 'censura': Trump anuncia as primeiras medidas como presidente dos EUA. Em cerimônia nesta segunda-feira (20), republicano assumiu novo mandato no comando da Casa Branca.
Por Redação g1 - 20/01/2025 - Expulsão de imigrantes, taxação de países, combate a 'censura': Trump anuncia as primeiras medidas como presidente dos EUA | Mundo | G1
Trump discursa ao tomar posse nos EUA — Foto: Chip Somodevilla/Pool via REUTERS
Expulsão de imigrantes, taxação de países estrangeiros, combate ao que chamou de "censura" por parte do Estado e adoção de uma política oficial que leve em conta "somente dois gêneros: masculino e feminino".
Essas foram algumas das primeiras medidas anunciadas por Donald Trump em seu discurso de posse como 47º presidente americano, nesta segunda-feira (20). Ele assinou os primeiros decretos na segunda-feira.
Veja as primeiras medidas e, mais abaixo, trechos da fala de Trump:
▶️ Imigração - O novo presidente americano disse que vai declarar "emergência nacional em nossa fronteira ao sul", em referência ao México. "Toda entrada ilegal será imediatamente barrada, e começaremos o processo de retorno de milhões e milhões de estrangeiros criminosos aos lugares de onde vieram", anunciou. Ele disse ainda que pretende enviar tropas à região e que os cartéis serão considerados organizações terroristas. Nesse ponto, invocou a Lei dos Inimigos Estrangeiros, de 1798.
▶️ Energia e carros - Atribuindo a "crise inflacionária" nos Estados Unidos a gastos que ele considerou "excessivos" e ao aumento nos preços de energia, o presidente declarou "emergência energética nacional". Na sequência, criticou o que chamou de "New Deal verde" e anunciou revogação da "norma do veículo elétrico". "Em outras palavras, você poderá comprar o carro de sua escolha."
▶️ Taxação de produtos estrangeiros - Trump afirmou que deve "tarifar e taxar países estrangeiros para enriquecer" os cidadãos americanos. Segundo ele, a ideia é ter "enormes quantias de dinheiro entrando em nosso tesouro vindas de fontes estrangeiras". Nesse trecho do discurso, mencionou a criação do chamado Departamento de Eficiência Governamental, que será chefiado pelo bilionário Elon Musk.
▶️ Censura e liberdade de expressão - O presidente citou que os Estados Unidos viveram "anos e anos de esforços federais ilegais e inconstitucionais para restringir a liberdade de expressão". Diante disso, assinará uma "ordem executiva para interromper imediatamente toda a censura governamental e trazer de volta a liberdade de expressão aos Estados Unidos". Falou ainda que nunca mais usará "o imenso poder do Estado como arma para perseguir oponentes políticos" e mencionou uma "Justiça justa, igualitária e imparcial sob o Estado constitucional de Direito".
▶️ Política de raça e gênero - Trump anunciou que encerrará o que chamou de "política governamental de tentar fazer engenharia social de raça e gênero em todos os aspectos da vida pública e privada". "Nós forjaremos uma sociedade que é daltônica e baseada no mérito", indicou. "A partir de hoje, a política oficial do governo dos Estados Unidos passa a ser que há somente dois gêneros: masculino e feminino." Leia mais.
▶️ Militares e vacina contra a Covid - Logo após falar que quer reintegrar funcionários públicos e membros das Forças Armadas expulsos por não terem tomado vacina contra a Covid, Trump declarou que seu governo quer "medir nosso sucesso não apenas pelas batalhas que vencermos, mas também pelas guerras que terminarmos e, talvez o mais importante, pelas guerras nas quais nunca entraremos". "O meu legado de maior orgulho será o de um pacificador e unificador."
▶️ Golfo do México e Canal do Panamá - Trump voltou a dizer que pretende mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América (termo que, neste caso, refere-se apenas aos Estados Unidos). Falou também que quer tomar o Canal do Panamá, onde, segundo ele, "navios americanos estão sendo severamente sobrecarregados e não [estão sendo] tratados de forma justa". "E, acima de tudo, a China está operando o Canal do Panamá. E não o demos à China. Demos ao Panamá e estamos tomando de volta."
Leia, a seguir, trechos do discurso:
Imigração
• "Eu vou declarar emergência nacional em nossa fronteira ao sul [como México]. Toda entrada ilegal será imediatamente barrada, e começaremos o processo de retorno de milhões e milhões de estrangeiros criminosos aos lugares de onde vieram. Restabeleceremos minha política de 'permaneça no México'. [...] E nós vamos mandar nossas tropas para a fronteira ao sul para repelir a desastrosa invasão de nosso país."
• "De acordo com as ordens que assinei hoje, também designaremos os cartéis como organizações terroristas estrangeiras, e, invocando a Lei dos Inimigos Estrangeiros, de 1798, ordenarei que nosso governo use todo o imenso poder da aplicação da lei federal e estadual para eliminar a presença de todas as gangues estrangeiras e redes criminosas que trazem crimes devastadores para o solo dos EUA, incluindo nossas cidades e centros urbanos."
Energia e carros
Trump revoga 'mandato do veículo elétrico' e diz que vai 'perfurar'
• "A crise inflacionária foi causada por gastos excessivos e aumento nos preços de energia, e é por isso que, hoje, eu também declararei emergência energética nacional. Nós vamos perfurar, baby, perfurar. Os Estados Unidos serão uma nação manufatureira de novo, e temos algo que nenhuma nação manufatureira jamais terá: a maior quantidade de petróleo e gás de qualquer país da Terra, e nós vamos usá-la.
• "Nos reduziremos os preços, encheremos nossas reservas estratégicas de novo, e exportaremos energia americana para todo o mundo. Nós seremos uma nação rica de novo, e esse ouro líquido sob nossos pés nos ajudará a fazer isso."
• "Com minhas ações de hoje, acabaremos com o New Deal verde e revogaremos a política de incentivo aos veículos elétricos, salvando nossa indústria automobilística e mantendo minha promessa sagrada aos nossos incríveis trabalhadores no setor. Em outras palavras, você poderá comprar o carro de sua escolha."
Taxação de produtos estrangeiros
• "Em vez de taxar nossos cidadãos para enriquecer outros países, vamos tarifar e taxar países estrangeiros para enriquecer nossos cidadãos."
• "Como esse propósito, estamos estabelecendo o serviço de receita externa para coletar todas as tarifas, impostos e receitas. Serão enormes quantias de dinheiro entrando em nosso tesouro vindas de fontes estrangeiras. O sonho americano logo estará de volta e prosperando como nunca antes para restaurar a competência e a eficácia do nosso governo federal. Minha administração estabelecerá o novíssimo Departamento de Eficiência Governamental."
Censura e liberdade de expressão
• "Após anos e anos de esforços federais ilegais e inconstitucionais para restringir a liberdade de expressão, também assinarei uma ordem executiva para interromper imediatamente toda a censura governamental e trazer de volta a liberdade de expressão aos Estados Unidos."
• "Eu nunca mais usarei o imenso poder do Estado como arma para perseguir oponentes políticos, algo sobre o qual sei algo. Não permitiremos que isso aconteça. Não acontecerá novamente. Sob minha liderança, restauraremos a Justiça justa, igualitária e imparcial sob o Estado constitucional de Direito, e traremos a lei e a ordem de volta às nossas cidades.
Política de raça e gênero
• "Nesta semana, também encerrarei a política governamental de tentar fazer engenharia social de raça e gênero em todos os aspectos da vida pública e privada. Nós forjaremos uma sociedade que é daltônica e baseada no mérito."
• "A partir de hoje, a política oficial do governo dos Estados Unidos passa a ser que há somente dois gêneros: masculino e feminino."
Militares e vacina contra a Covid
• "Nesta semana, vou reintegrar todos os funcionários públicos e membros em serviço que foram injustamente expulsos de nossas Forças Armadas por se oporem à política da vacina contra a Covid [...] e assinarei uma ordem para impedir que nossos soldados sejam submetidos a teorias e experimentos sociais enquanto estiverem em serviço."
• "Nossas Forças Armadas estarão livres para se concentrarem em sua única missão: derrotar os inimigos da América. Como em 2017, construiremos novamente as Forças Armadas mais fortes que o mundo já viu. Mediremos nosso sucesso não apenas pelas batalhas que vencermos, mas também pelas guerras que terminarmos e, talvez o mais importante, pelas guerras nas quais nunca entraremos."
• "O meu legado de maior orgulho será o de um pacificador e unificador. É isto que eu quero ser: um pacificador e unificador. Estou feliz em dizer que, desde ontem, os reféns no Oriente Médio estão voltando para casa com suas famílias."
Golfo do México e Canal do Panamá
Trump fala sobre mudar o nome de Golfo do México para "Golfo da América"
• "Os Estados Unidos vão recuperar seu lugar de direito como a maior, mais poderosa e mais respeitada nação da Terra, inspirando o espanto e a admiração do mundo inteiro. Em breve, vamos mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América [...]."
• O presidente McKinley tornou nosso país muito rico por meio de tarifas e talento. Ele era um empresário nato e deu a Teddy Roosevelt o dinheiro para muitas das grandes coisas que ele fez, incluindo o Canal do Panamá, que foi tolamente dado ao país do Panamá."
• "[...] Gastou mais dinheiro do que nunca gastou em um projeto antes e perdeu 38 mil vidas na construção do Canal do Panamá. Fomos tratados muito mal por esse presente tolo que nunca deveria ter sido feito, e a promessa do Panamá a nós foi quebrada.
• "O propósito do nosso acordo e o espírito do nosso tratado foram totalmente violados. Os navios americanos estão sendo severamente sobrecarregados e não [estão sendo] tratados de forma justa [...], e isso inclui a Marinha dos Estados Unidos.
• "E, acima de tudo, a China está operando o Canal do Panamá. E não o demos à China. Demos ao Panamá e estamos tomando de volta."
Editorial
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Fator Trump pesará na eleição de 2026 - Matias Spektor - Republicano constitui um
fator de risco tanto para a situação quanto para a oposição no Brasil
O retorno de Donald Trump à Casa Branca em 2025 projeta uma sombra inquietante sobre o cenário
político brasileiro, que se organiza para as eleições presidenciais de 2026. O risco principal não reside no
antagonismo direto com Trump, mas em como sua Presidência pode afetar o ambiente político interno às
vésperas da corrida eleitoral. Sua posse constitui um fator de risco tanto para a situação quanto para a
oposição.
O primeiro e mais imediato desafio vem da economia. As políticas anunciadas por Trump são uma
combinação adversa para o governo Lula: pressão inflacionária, fortalecimento do dólar e desaceleração
do crescimento chinês. Esse cenário pode comprometer os planos da nova diretoria do Banco Central e
dificultar a cambaleante gestão macroeconômica de um governo que já se prepara para o pleito do ano
que vem. A deterioração do ambiente externo pode afetar não apenas setores estratégicos da economia
brasileira, mas também o humor do eleitor.
No plano diplomático, o Brasil enfrenta um equilíbrio delicado na presidência do Brics. A expansão do
grupo intensificou tensões internas entre aqueles que defendem uma postura explicitamente anti-
Ocidental e os que veem riscos nessa abordagem. O Brasil, alinhado com o segundo grupo, terá de
administrar essa divisão sob holofotes durante todo o ano. A capacidade do Palácio do Planalto de tocar
essa agenda sem tropeços dependerá em parte de o Partido dos Trabalhadores seguir com disciplina as
preferências do presidente da República.
Além disso, o provável abandono americano do Acordo de Paris consolida uma tendência de
esvaziamento do processo multilateral em negociações do clima. Antes mesmo de Trump ser eleito, o
protagonismo da transição energética mundo afora já havia migrado para os agentes econômicos. O
Brasil presidirá a COP sem ter feito essa mudança de chave, apesar de Ministério da Fazenda
e BNDES terem uma visão e recursos para fazê-lo. A indefinição pode deixar o Brasil falando ao vento
em Belém e, pior, revelar um campo progressista sem projeto para fazer a transição energética da qual
não temos como fugir.
A agenda bilateral entre Brasil e Estados Unidos apresenta pontos cruciais de tensão. Na questão
venezuelana, Trump promete retórica agressiva que pode deixar o governo brasileiro contra a parede,
dado o colapso da relação de Lula com Nicolás Maduro. No campo digital, o embate entre o STF e Elon
Musk sobre redes sociais promete escalar, dado o empurrão de desregulação que vem por aí. Compras
governamentais do Brasil de serviços de satélite também podem gerar atritos significativos, sobretudo
se Brasília entregar à China um grande contrato, em vez de criar um marco capaz de forçar algum tipo de
competição. Esse quadro bilateral se agrava pela potencial influência do deputado federal Eduardo
Bolsonaro na escolha do próximo embaixador americano em Brasília.
O cenário sul-americano adiciona mais uma camada de complexidade: o aparente sucesso do programa
anti-inflacionário de Milei na Argentina — somado a uma possível vitória da direita no Chile — pode isolar
ainda mais o governo brasileiro em sua vizinhança. Desde seu retorno ao poder, Lula não conseguiu
construir uma coalizão sólida nem mesmo com as esquerdas que governam Bolívia,
Chile, Colômbia e México.
Para a esquerda brasileira hoje no poder, o desafio imposto por Trump é claro: controlar danos, evitando
que eventuais crises bilaterais ou em foros multilaterais consumam capital político precioso. Embora
confrontos ocasionais com Washington possam mobilizar a base eleitoral, o custo de um antagonismo
prolongado pode ser alto demais em ano eleitoral.
Para a direita na oposição, Trump pode até ser oportunidade. No entanto o atual cenário não traz
garantias. Apesar da aparente sintonia ideológica em pontos da agenda, os contatos efetivos são
escassos — com a notável exceção do deputado Bolsonaro. O estilo caótico de Trump dificulta a
construção de pontes, uma vez que o presidente incentiva disputas internas furiosas entre assessores e
aposta sempre em deixar seus próprios aliados na incerteza.
A eleição brasileira de 2026 acontecerá num mundo sacudido pela volta de Trump à Casa Branca. À
direita e à esquerda, os candidatos à Presidência serão obrigados a caçar o voto do eleitor num ambiente
externo mais imprevisível, onde nem o alinhamento com Washington nem o confronto aberto parecem
estratégias promissoras. A geopolítica não será apenas pano de fundo da sucessão presidencial, mas
elemento definidor.
*Matias Spektor é professor da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV)
Postado por Gilvan Cavalcanti de Melo.
Editorial
Trump não é um "tigre de papel" por Chico Teixeira
Como de costume, os intelectuais e políticos latino-americanos não levam com a devida seriedade as ameaças fascistas e imperialistas, tal qual 1933 e o "Apaziguamento".
A maioria sorri com condescendência para as ameaças proferidas por Trump e profetiza, como foi no caso de outros líderes perigosos, que o "poder vai moderar seus ímpetos".
Não levam a sério que estamos perante ameaças reais de uso da força contra cinco países americanos: Panamá, México, Canadá, Venezuela e o território da Groenlândia e, ainda, de extorsão econômica contra outro, o Brasil.Como respondemos a isso? Como se fossem bravatas ou factóides.
Não há um claro raciocínio geopolítico das dimensões do "Risco Trump" para a soberania dos Estados americanos.
Por exemplo, se a Groenlândia é uma questão de segurança nacional e mundial, sendo a Dinamarca membro ativo da Otan, por que não só ampliar as bases militares que os Estados Unidos lá possuem?
Não se trata disso.
Porque, em verdade, se trata de planejar o futuro da mudança climática, da abertura da "Rota Polar do Norte" e das riquezas minerais e energéticas que afloram na nova Era do Aquecimento Global.
No Panamá, não são as taxas que incomodam, o objetivo é afastar a China das grandes vias do comércio global.
O México deve ser punido por aceitar, no âmbito do Nafta, a instalação de indústrias chinesas que passam a ter acesso direto ao mercado americano, salvas das tarifas impostas contra a China, pela maquiagem "Made in México".
O Canadá sempre foi alvo da ambição imperialista americana, agora com o aquecimento global e a política de "drill, baby, drill", a oferta de minérios e petróleo - para empresas petrolíferas americanas hoje com horizonte de dez anos de exploração - se amplia em cem anos. Neste contexto, cabe dar uma boa pancada no Brasil.
Liderando os BRICs, por fim Washington entendeu que a política brasileira, como desenhada pelo Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, que o debate sobre o dólar, e seu papel como moeda de reserva, é uma ameaça real à capacidade americana de financiar seu impagável déficit, retirando os dólares do sistema financeiro norte-americano.
O caso da Venezuela é didático: Trump não tem problemas de conviver com governos "fortes", é amigo pessoal do príncipe esquartejador saudita. Nem os Estados Unidos precisam de petróleo.
Na verdade, inundaram a Europa de petróleo e e gás, a excelente preço de salvação dos produtores via "fracturing" de xisto. O medo em Washington é sobre o destino dos dólares auferidos na venda do petróleo venezuelano.
Com Caracas nos BRICs, a moeda americana perde, além de sua função de troca, sua fundamental função de reserva e, assim, os recursos derivados do petróleo, fora do sistema financeiro americano - bancos, bolsa e sistema Swift - deixam de servir de garantia dos bônus da dívida americana.
Ou seja, estamos falando de uma questão maior de geopolítica: o futuro do financiamento do governo norte-americano. Trump entendeu muito bem isso. E nós, na América Latina, entendemos?
Anexo – Depoimento : Os múltiplos furacões que estão varrendo o “American Dream” do mapa - 15/12/2024
No dia 20 de fevereiro de 2025 eu estarei celebrando 36 anos da minha chegada aos EUA. Muita coisa mudou no país que me acolheu e permitiu que eu realizasse todas as minhas aventuras científicas nestas quase quatro décadas.
De fato, durante uma recente visita a San Francisco, na Califórnia, eu finalmente me dei conta que o país que eu encontrei em 1989 simplesmente não existe mais. Tal constatação não é minha apenas, mas reflete o pensamento de muitos colegas que, como eu, também chegaram ao país no final da década de 1980, atraídos pelas condições incomparáveis para se fazer ciência de ponta, bem como a abertura para que jovens cientistas estrangeiros pudessem exercer seus talentos em pé de igualdade com americanos natos.
As chagas e cicatrizes desta mudança dramática no modo de vida americano ocorrida nestes 40 anos não poderia ter ficado mais clara do que num tour pelo centro de San Francisco, em busca de um pronto-socorro que pudesse me atender devido a uma emergência médica.
Enquanto um motorista de táxi que não falava uma palavra de inglês tentava encontrar o hospital que se prontificou a aceitar o meu seguro privado de saúde – condição essencial para ser atendido – , do banco de trás eu constatava consternado o grau de devastação, miséria humana e degradação do coração e alma de uma das cidades mais icônicas do país.
Ao longo do trajeto, eu observei um enorme número de pessoas em condição de rua, vivendo em condições abjetas, muitas transformadas em verdadeiros zumbis de corpos contorcidos, dada uma epidemia de abuso de drogas fora de qualquer controle, que tem como um dos destaques o opiáceo sintético (fentanil) de preço muito baixo e que em 2023, apesar de uma baixa significativa, ainda causou pelo menos 653 mortes por overdose na cidade.
Em todo país, segundo o National Center for Health Statistics do Central for Disease Control and Prevention, das quase 108 mil mortes por overdose no país em 2023, 81 mil foram causadas por consumo de opióides, principalmente do fentanil.
Tristemente, as cenas que eu testemunhei in loco em nada diferiram de um tour semelhante realizado, apenas alguns meses atrás, pelo centro de São Paulo. Mas aqui estava eu, no centro de uma grande metrópole americana cujo PIB – considerando-se o núcleo econômico formado por San José, San Francisco e Oakland – ultrapassou US$ 1 trilhão em 2019, definindo a terceira maior economia dos EUA e quase metade do PIB brasileiro de 2023.
Anos atrás, a população de San Francisco foi convencida pelas lideranças da cidade que ao oferecer atraentes benefícios para que empresas de alta-tecnologia se mudassem para a cidade, benefícios estes totalmente subsidiados pelos contribuintes da cidade, seria possível implementar um ambicioso processo de revitalização do seu centro. Claramente, nada disso ocorreu.
Apesar de obter isenções fiscais e toda sorte de outros benefícios, a atração dos diferentes empreendimentos dos Overlords das BigTechs além de enriquecê-los não trouxeram qualquer tipo de melhora da condição de vida dos habitantes mais vulneráveis de San Francisco. Muito pelo contrário.
Com a inflação dos custos de moradia, eliminação de empregos e crise crônica do financiamento da rede de escolas públicas da cidade, San Francisco hoje encapsula todas as crises que tem assolado os EUA nas últimas décadas. Uma crise profunda que tem levado os jovens americanos a acreditar piamente que eles jamais conseguirão atingir a mesma qualidade de vida dos seus pais e, em última análise, se transformarem na primeira geração de americanos, após a Segunda Guerra Mundial, que terá seu acesso ao famoso “American Dream” bloqueado de forma categórica.
Se todo o espetáculo dantesco do trajeto até o hospital não fosse suficiente, a minha epopeia californiana rapidamente ganhou contornos dramáticos quando eu fui informado por uma médica do pronto-socorro que, infelizmente, não havia nenhum oftalmologista disponível que pudesse me atender e verificar se a infecção que havia sido diagnosticada havia afetado de qualquer forma o meu olho esquerdo.
Uma rápida consulta com a minha assistente de longa data na Carolina do Norte, a incomparável Susan Halkiotis, revelou que nem mesmo na cidade onde eu resido há 30 anos, e mesmo no hospital da universidade – uma das maiores do país – onde trabalhei por 28 destes anos, eu também não conseguiria uma consulta com um oftalmologista, uma vez que a espera média para tal consulta era de 5-8 semanas!
Confrontado com esta situação surreal, confinado num quarto de hotel do estado mais rico do país que mais investe em saúde no mundo, algo em torno de US$ 4,8 trilhões apenas em 2023 (mais de 2 vezes o PIB brasileiro), mas que não possui um sistema de saúde público universal, algo como o SUS brasileiro, eu tomei a única decisão que me restava: ligar para o consultório do meu colega de turma, um dos maiores oftalmologistas do Brasil, Dr. Samir Bechara.
Informado que meu amigo estava passando férias na Espanha, eu por um momento quase entrei em desespero. Pois bem, minutos depois, eis que o meu telefone toca e, diretamente de um povoado no caminho de Compostela, lá estava ele, o meu grande amigo Samir, imediatamente se disponibilizando para realizar uma consulta on-line e basicamente resolver a minha angústia em poucos minutos.
Da mesma forma que o grande Samir, que realizou várias destas consultas on-line nos dias subsequentes, a minha querida dermatologista, Dra. Sandra Tuma, me monitorou desde o início dos sintomas, até meu regresso ao Brasil. Com eles, a minha maga clínica, Dra. Naira Hojaij, assumiu toda a minha supervisão clínica de forma remota, até meu retorno a São Paulo e depois dele.
Sem a instantânea solidariedade, empatia, e profissionalismo fora do esquadro destes três maravilhosos médicos brasileiros eu estaria literalmente a Deus dará.
Poucas semanas depois deste incidente, que ilustra claramente a decadência americana em questões absolutamente primordiais, como saúde pública, uma pequena maioria de americanos – uma das mais baixas de toda a história das eleições presidenciais do país – elegeu um candidato que baseou sua campanha em hostilizar de forma grotesca os imigrantes e toda sorte de valores humanísticos que nos idos de 1989 permitiram que eu e outros cientistas escolhessem os EUA para desenvolver a nossa arte.
Eleito com o apoio financeiro explícito de um dos mais controversos Overlords das BigTechs, que passou a usar a rede social de sua propriedade como uma poderosa arma eleitoral, Donald Trump começou a indicar indivíduos totalmente desqualificados – alguns deles sob investigação por crimes cometidos enquanto membros do Congresso – para cargos do alto escalão do seu futuro gabinete, para total choque de parte da sociedade americana não infectada pelo vírus informacional de ódio e ressentimento que capitaneou a vitória do candidato do Partido Republicano.
Tudo isso num país com inflação anual de 2.3% e um dos maiores crescimentos econômicos do pós-pandemia. Mas nada disso realmente importa no mundo da pós-verdade.
Longe de defender as práticas e carreira da candidata do Partido Democrata, eu interpretei a eleição de um populista, condenado múltiplas vezes pela justiça estadual de Nova York, que tentou subverter ilegalmente os resultados das eleições de 2020, resultando numa invasão violenta sem precedentes de seus seguidores ao Congresso americano, como um sinal claro que os verdadeiros furacões que estão varrendo do mapa o “American Dream” são ainda mais devastadores do que aqueles gerados no Golfo do México ou no Oceano Atlântico.
Apesar de toda destruição e perdas humanas deixadas ao longo do seus rastros, nem de longe estes fenômenos climáticos, decorrentes do aquecimento global – ignorado por boa parte dos americanos e seus políticos – , se comparam ao grau das ameaças criadas pela erosão dos valores éticos e humanísticos do Iluminismo que assola não só a sociedade americana, como do resto do mundo, incluindo, evidentemente, o nosso querido patropi.
As consequências devastadoras da divisão profunda que caracteriza o presente processo de tribalização de boa parte, senão da totalidade, das sociedades humanas ao redor do planeta, é a base de uma crise existencial nunca antes enfrentada pela nossa espécie. Eu digo isso porque este processo tende a reverter, de forma drástica, toda a receita de sucesso que permitiu ao Homo [not so] sapiens sobreviver às inúmeras intempéries geradas por um Universo e um planeta em contínuo fluxo.
Difícil prever o que o futuro nos reserva como resultado do nosso completo abandono de tudo aquilo que nos permitiu chegar até aqui.
Quem viver, verá!
P.S. Recebi semana passada a conta da minha consulta de 10 minutos no Pronto Socorro em San Francisco: mais de US$ 1.200 (sem nenhum procedimento ou medicação envolvidos) dos quais eu tive que cobrir do meu bolso US$ 250, mesmo tendo seguro de saúde. Este pequeno exemplo ilustra porque não é à toa que 500 mil americanos por ano declaram falência pessoal por não conseguirem pagar seus gastos com saúde!
[09:59, 18/12/2024] Mareu: https://www.facebook.com/share/15MExQNYFD/?
Editorial
Inteligência artificial consegue traduzir discursos de voz para voz em 36 línguas
Modelo desenvolvido pela Meta, dona do Facebook e Instagram, é capaz de traduzir texto de quase uma centena de idiomas. Ainda assim, é a tradução de voz para voz que representa um avanço.
EDITORIAL
Lula locuta e suscita debates
RUDOLFO LAGO*, do Correio da Manhã, destacou em artigo publicado nas Redes semana passada:
"Importante militante política da Geração 68 sentiu o impacto do recado dado pelo presidente Luiz Lula da Silva em trecho da parte improvisada de seu discurso no ato pelos dois anos do 8 de janeiro. O trecho chamou a atenção também desta coluna, que o destacou aqui. Lula afirmou que não havia nenhum operário entre os líderes das Revoluções Russa, de 1917, e Cubana, de 1958. Que somente uma democracia é capaz de levar um torneiro mecânico como ele à Presidência"
Quando ouvi, minha primeira reação foi negativa. Sou remanescente da geração 1960...Confesso, aliás, que não me agradou o discurso de Lula naquele dia.
Gostando ou não, entretanto, acho que Lula, "coloca", aí , como se dizia antigamente, várias questões dignas de reflexão pela esquerda:
1. A questão da democracia, sempre vista pela esquerda com certa desconfiança. Será que Lula entende como “democracia” apenas o modelo ocidental de representação parlamentar?
2. A construção da democracia como aprofundamento da participação na vida pública dos vários segmentos sociais
3. A ausência de pessoas dos segmentos "subalternos" - odeio essa expressão! - nos Partidos de esquerda, mesmo revolucionários, como em 1917 e 1959 - e eu acrescentaria 1949, na China, 1930, no Brasil.
4. A valorização do operário feita por Lula, a meu juízo, importante, pelo simbolismo que trouxe à esquerda, desde MARX, é hoje insuficiente , na construção da democracia. Por que não o "negro"? Por que não "indígena"? Por que não mulher"? Por que não LGBTQIa+? Por que não deficientes físicos? Por que não minorias étnicas e religiosas...? Por que não os "batalhadores" que lutam diariamente no precariado? E os "Sem Tera e Sem Teto"...? E os idosos? Enfim, a lista dos desalojados é grande. Bourdieu que o diga.
Recado importante de Lula acabou perdido
Por RUDOLFO LAGO* do Correio da Manhã
Importante militante política da Geração 68 sentiu o impacto do recado dado pelo presidente Luiz Lula da Silva em trecho da parte improvisada de seu discurso no ato pelos dois anos do 8 de janeiro. O trecho chamou a atenção também desta coluna, que o destacou aqui. Lula afirmou que não havia nenhum operário entre os líderes das Revoluções Russa, de 1917, e Cubana, de 1958. Que somente uma democracia é capaz de levar um torneiro mecânico como ele à Presidência. A mudança pelo viés revolucionário é o cerne das posições da Geração 68 dessa militante, que é também a geração de pessoas como a presidente do banco do Brics, Dilma Rousseff, ou os ex-ministros José Dirceu e Franklin Martins. Pessoas que têm influência.
Diluído
Infelizmente, porém, aponta essa militante, o recado acabou diluído no meio das platitudes de Lula em outros trechos. Bobagens, como a fala machista em que se disse “amante da democracia” e que os homens costumam ser mais apaixonados por suas amantes.
Desperdício
Se o trecho do discurso visava passar à ala mais à esquerda do PT o recado de que o caminho de Lula é pela democracia e que, portanto, exige a construção de alianças mais amplas que conduzam a avanços pelo diálogo, a chance acabou desperdiçada no ato de quarta (8).
Falta a Lula o chamado “ministro do vai dar m…”
Em um seleto grupo de jornalistas, muitos deles integrantes importantes da comunicação do governo nos governos anteriores de Lula, as falhas do ato do 8 de janeiro foram muito debatidas. De um modo geral, prevalecia a constatação de que falta hoje ao governo estratégia clara dos caminhos a seguir. Um deles dizia que se Lula dissesse algo como disse Pelé quando afirmou que “o brasileiro não sabe votar”, haveria na equipe alguém disposto a emoldurar a frase numa placa e ostentá-la como sacada genial no Palácio do Planalto. Ao contrário dos governos anteriores, Lula não teria agora interlocutores capazes de confrontá-lo.
Ausência
Como faziam no passado nomes como os próprios Dirceu e Franklin, mas também Luiz Gushiken, Gilberto Carvalho, Ricardo Kotscho ou Luiz Dulci. Havia até muita divergência entre eles. Mas tinham a capacidade de confrontar Lula com outros pontos de vista e corrigir rumos.
Janja
Hoje, aparentemente a única pessoa no entorno de Lula com essa capacidade é sua esposa, Janja da Silva. Mas Janja não tem cargo no governo, não tem mandato eletivo. Assim, a falta de clareza a respeito do papel que exerce hoje mais atrapalha que ajuda o governo.
Papel
Um desses comunicadores, forte no PT desde a sua fundação, chegou a sugerir que talvez fosse melhor que Lula desse mesmo a Janja uma função clara. Como tinha a esposa de Fernando Henrique, Ruth Cardoso, formuladora do que levou depois ao Bolsa Família.
Legado
O programa Comunidade Solidária deixou como legado toda a política de combate à fome dos governos petistas posteriores, mesmo que o próprio PT não reconheça muito isso. Um papel parecido para Janja poderia tornar mais clara sua função no governo.
Editorial
DONALD TRUMP: 2025-2028
Biden está se despedindo do Governo e da vida púiblica. Nesta quarta faz seu balanço de governo no Salão Oval da Casa Branca. A derrota de sua candidata à Presidência deixa o recado de que não bastam indicadores econômicos bons para o sucessoi eleitoral. Os grandes números da economia americana até eram bons mas não suficientes para assegurar a vitória democrata. Um bom crescimento e uma baixa taxa de inflação nem sempre chegam aos ouvidos e bolsos dos eleitores. Vide não só Estados Unidos, também o Brasil de 2024...
E aí vem o Trump, o “bull shitter”, falador de m... , criminoso condenado por fraude fiscal, com sua trupe de magnatas curvados ao seu extremismo, já desalinhada. Já é um filhote da Era de Infocracia. Fala muito, não diz nada, não tem um claro Programa de Governo, mas “tecla”, tecla muito no X e nas Redes. Governa através destes pirulitos diários onde destila ódio a imigrantes, liberais, aos quais acusa de comunistas, e à cultura em geral. Faz sucesso Musk ameaça democracias europeias, diz Financial Times. Ele já enfrenta, também, críticas de lideranças europeias e Steve Bannon, guru extremista, promete expulsá-lo do Governo e o chama de maligno
Professor avalia que disputa de influência e interesses pode gerar conflitos entre Elon Musk e Donald Trump
Steve Bannon chama Elon Musk de “maligno” e promete expulsar o bilionário do governo Trump
As previsões do Governo Trump ainda são incertas e contraditórias. Poucos apostam no seu sucesso, embora tampouco acreditem que outrora vigoroso Partido Democrata esteja preparado para substituí-lo daqui a quatro anos. O Partido se enredou nas plataformas identitárias e perdeu muito de sua força junto aos sindicatos. Não tem também uma liderança nacional de peso. Kamala, no fundo, foi uma decepção. Não foi, nem estava preparada para o desafio. Vamos ver com o tempo, quem emergirá. Do ponto de vista econômico, Trump se voltará a seu slogan MAKE AMERICA GREAT AGAIN. Vai forçar as grandes corporações a retornarem à Casa Materna – USA -, o que, além de muito difícil, já que as cadeias de produção se estenderam ao mundo inteiro, inclusive na fronteira próxima do Canada e México, daí a ideia de transformá-los em Estado Membro, seria extremamente caro, portanto inflacionário. Mas Trump insiste na retórica da taxação elevada sobre importados como estratégia de reindustrialização, sem nenhuma visão de futuro. Só passado. Passado mitificado e mistificador. Feito o corvo que bica o pescoço da águia que o sustenta no vôo, na tentativa de controla-la, mal se dá conta que a águia poderá subir mais alto ainda derrubando-o ao solo por falta de oxigênio.
Quem viver, verá...
Editorial
AINDA ESTAMOS AQUI!
Paulo Timm – Publ. A FOLHA, Torres – 10 jan/ 25
Aprendi com meu contemporâneo da Faculdade de Filosofia da UFRGS, idos de 60 do século passado, João Carlos Brum Torres, uma passagem de I. Kant, Filósofo do Iluminismo, sobre a diferença entre um evento e um acontecimento.
"Em O Conflito das Faculdades, depois de perguntar Se estará o gênero humano em constante progresso para o melhor , Kant acrescenta que só se poderá responder positivamente a essa interrogação se a experiência nos apresentar "um acontecimento que aponte”, ainda que “de modo indeterminado quanto ao tempo", nossa "aptidão para sermos causa do progresso", permitindo, assim, "inferir a progressão para o melhor (....)." Um tal acontecimento, acrescenta Kant, deverá ser tido então “como signo histórico", um signum rememorativum, demonstrativum, prognostikon"
João Carlos Brum Torres in “As eleições americanas de 2016 como sinal histórico”
Setembro de 2016
Com efeito, o acontecimento é uma espécie de epifania, um feito de caráter transcendental que concelebra um, antes e outro, depois. Como a datação do calendário: AC e DC; ou a Revolução Francesa. Assim foram, por exemplo, no Brasil, nas últimas décadas, o suicídio de Vargas, em 1954, a Legalidade no Rio Grande do Sul em 1961, o comício de Jango na Central do Brasil dez anos depois, a passeata dos cem mil, no Rio de Janeiro, em 1968, o cadáver de Vladimir Herzog nos subterrâneos da repressão em 1975, o foto de Ulysses Guimarães no dia da promulgação da Constituição em 8 de outubro de 1988, as mobilizações massivas de junho de 2013. Marcos. Pois, tendo eu vivido de perto todos estes momentos, ouso dizer que pressinto no Prêmio Globo de Ouro da Fernanda Torres, neste início de 2025, pela sua atuação no filme “Ainda estou aqui”, um desses momentos. Em nenhum deles, acima citados, grandiloquentes, no passado, há um protagonista exclusivo, embora haja uma persona que o sintetize. Eles resultam, cada um, de um processo que, num dado momento, eclode. É célebre, aliás, a defesa de Leon Trotski, quando acusado pelos tribunais do Czar russo de ser o responsável pela revolução de 1905. Disse ele: - Ninguém faz uma revolução, elas “acontecem”. Todos os eventos, acima citados, também aconteceram, no sentido de terem se desenrolado como produtoS de um conjunto de forças históricas objetivas e subjetivas. Pois é isso que está “acontecendo” com o filme “Ainda estou aqui”. Nem é um grande filme para entrar na galeria dos clássicos do cinema. Talvez seja um Poema sem Poesia, mas comovente como um cordel da Maria Degolada. Muitos, até, o criticam por trair uma espécie de selo Globo, impregnado de andamento novelesco. Seria, até, o caso de se perguntar: - E daí? Qual o problema? Não são ditas novelas construídas sob a égide da Poética Aristotélica, com início, meio e fim amorais? Ou, por acaso, preferiram “Metrópole”, do Coppola? Verdade, é , mais ou menos, como aquele “rio que passa pela minha aldeia”, ou como as tolas cartas de amor estigmatizadas, também/ por Fernando Pessoa. Mas este filme “nos” diz respeito. Não é um “filme autoral”, mas íntimo. Vi muita gente dizer que viu e chorou. Eu também. Tem, aliás, uma interpretação magistral, em preto e branco, de uma atriz nada performática, Fernanda Torres, que nos conduz para uma empatia com a personagem que interpreta, remetendo-nos, pelo afeto, às sombras do regime que se quis perpetuar recentemente sob a égide insidiosa de saudosos do regime militar. Dizem que uma imagem vale por mil palavras. Digo eu, este filme vale por mil discursos. Diz tudo, sem dizê-lo. Coincidiu, curiosamente – ora direis ouvir estrelas! – com a divulgação de uma Pesquisa de Opinião na qual 87% dos brasileiros dizem preferir a democracia, condenando os distúrbios do 8 de janeiro. Não por acaso, nestes dias, o Supremo Tribunal Militar remete para o julgamento civil do Supremo Tribunal Federal o processo incriminando vários coronéis por haverem incitado ao golpe no final de 2022. Desconfio que o “Aindo estou aqui” está operando magicamente para pavimentar o caminho que nos levará a retomar a História em 2026, soterrando o fantasma do retrocesso. Tal como em 2002, como advertiu o historiador Eric Hobsbawn, estamos navegando contra a corrente ocidental e, pelo nosso peso no Sul Global, contribuindo, mais do qualquer outro país do lado de cá do Equador, para a distensão do mundo.
Não é isso um “acontecimento”?
Oressa Gonzaguinha! Ainda estamos aqui!
"Eu quero mais é me abrir e que essa vida entre assim
Como se fosse o sol desvirginando a madrugada
Quero sentir a dor dessa manhã "
Editorial
Consequências econômicas de Trump 2.0 - Simon Johnson
As consequências econômicas do Trump 2.0 by Simon Johnson - Project Syndicate
Trump está herdando uma economia forte, mas suas políticas mais emblemáticas farão quase nada de positivo pelos trabalhadores menos escolarizados ou melhorarão significativamente a vida da maioria dos americanos
O segundo governo de Donald Trump começa ao meio-dia de 20 de janeiro. Sua campanha eleitoral ininterrupta desde que perdeu para Joe Biden em 2020 sugere uma reformulação mais bem organizada de seu primeiro mandato, com o mesmo foco nos cortes de impostos para estimular a economia, tarifas mais altas para reformular o comércio dos EUA com o mundo, e a deportação do maior número possível de imigrantes para gerar mais oportunidades para os trabalhadores americanos. Mas os tempos mudaram e é improvável que a realidade corresponda à retórica.
Em 2016, quando Trump conquistou a presidência pela primeira vez, os EUA experimentavam um período prolongado de inflação baixa. O Federal Reserve (Fed) manteve as taxas de juros próximas de zero ao longo de todo o seu governo. Mas desta vez, é bem diferente. A inflação disparou durante a pandemia, e o Fed ainda está em guarda contra um ressurgimento - daí as taxas de juros permanecerem relativamente altas. Os cortes de impostos propostos por Trump implicam um estímulo fiscal para uma economia com baixo nível de desemprego. Qualquer sinal de superaquecimento será enfrentado por uma política monetária ainda mais apertada.
Trump fez barulho sobre mudar a liderança do Fed, mas ele não pode demitir seu presidente, Jerome Powell, sem arriscar incorrer em taxas de juros de longo prazo mais altas e inflação mais alta. Haverá corte de impostos em 2025, principalmente para as pessoas ricas, e a consequente perda de receitas vai minar a sustentabilidade fiscal de longo prazo. Déficits maiores manterão os juros mais altos do que de outra forma eles seriam, e o dólar poderá se fortalecer, criando dificuldades para os exportadores americanos e para os países que têm empréstimos em dólares.
Sobre as tarifas, os líderes mundiais (e os mercados financeiros) entenderam que Trump fala alto e carrega um porrete bem pequeno. Ele sem dúvida imporá ruidosamente algumas tarifas de alto perfil, mas os interesses das empresas americanas começarão a procurar brechas e fazer lobby por exceções. Líderes estrangeiros farão peregrinações a Mar-a-Lago, jogarão golfe e negociarão exceções mútuas (não taxaremos seu bourbon, se você não taxará nosso conhaque, e compraremos mais sistemas de defesa aérea dos EUA).
Trump poderá ignorar todos esses apelos e insistir em tarifas mais altas em todos os setores. Mas isso resultaria em mais retaliações e mais protestos de grandes empresas que hoje o apoiam. A última coisa que Trump quer é causar perdas de empregos em casa, o que poderá acontecer se empresas baseadas nos EUA tiverem que pagar mais pelas importações e perder competitividade nos mercados exportadores. Se os líderes estrangeiros não o fizerem parecer mal no campo de golfe e enfatizar os empregos que suas empresas criam nos EUA (especialmente nos Estados controlados pelos republicanos), tudo estará aberto a uma discussão razoável.
O que os eleitores americanos realmente se importam é com bons empregos e com o custo de vida baixo. Mas a agenda “populista” do presidente eleito - um programa de ilusão sustentado pelo medo de inimigos imaginários - é um fracasso anunciado
Sobre a imigração ilegal, Trump certamente terá impacto. O “muro da fronteira” é uma ilusão sem significado real. Mas Trump já ameaça punir o México e outros países (até mesmo o Canadá) com tarifas elevadas e outras medidas, a menos que eles contenham os imigrantes, e isso terá algum efeito. Trump poderá também ser inteligente o suficiente para relaxar as sanções dos EUA contra a Venezuela, permitindo mais petróleo no mercado mundial e também ajudando a economia venezuelana. Isso reduziria a pressão sobre os venezuelanos para emigrar, ao mesmo tempo em que pressionaria o Irã e a Rússia (ambos dependentes das vendas de petróleo para financiar compras de componentes eletrônicos da China para uso em armas).
Trump poderá ir mais longe e reunir e deportar milhões de pessoas que estão nos EUA ilegalmente. Mas uma deportação em massa prejudicaria grandes setores da economia (como o agrícola e o da construção), alimentaria uma enorme perturbação social e levaria seus aliados empresariais a cortar seus investimentos (e a criação de empregos). Mais uma vez, devemos esperar ver grandiloquência política e manchetes sensacionalistas, mas a realidade não mudará muito (a imigração ilegal já caiu).
Então, o que Trump realmente fará? Ele comprará a Groenlândia (ou o Canada!), ou de alguma forma readquirirá o controle sobre o Canal do Panamá ou reduzirá o apoio dos EUA à Otan? Nenhuma das declarações recentes de Trump sobre esses assuntos é sem sentido, mas elas também não devem ser levadas ao pé da letra. Mais uma vez, Trump quer obter o que ele considera (e o que ele pode retratar como) um acordo “melhor” para os EUA. Se ele não disser o que isso significa agora, significa apenas que ele está aberto a sugestões - ou ele pode simplesmente definir o que quer que seja o ponto final como uma vitória estratégica.
Foi o que aconteceu durante o primeiro governo Trump, quando o Nafta foi renegociado com o México e o Canadá. Trump inicialmente ameaçou rasgá-lo “no primeiro dia”. Mas ele acabou se contentando com pequenas modificações (incluindo a alteração das regras de origem de uma maneira que fosse aceitável para todas as partes) e um rebranding que o transformou no USMCA.
Uma reformulação mais ampla do mundo está em andamento, mas isso não tem nada a ver com o novo governo, que provavelmente não responderá de forma eficaz. Por exemplo, Trump ainda usa uma linguagem belicosa sobre confrontar a China e o Irã, mas ambos já se encontram em más condições econômicas e dificilmente representariam uma ameaça à ordem regional - muito menos à paz internacional. E, como fez em seu primeiro governo, Trump promete se retirar de intervenções estrangeiras (Afeganistão e Iraque antes; Ucrânia agora). Mas a necessidade que a Rússia tem de drones e mísseis para lançar contra a Ucrânia tornou o presidente Vladimir Putin totalmente subserviente à China. Será que Trump (e o Congresso republicano) realmente querem dar a um enfraquecido presidente Xi Jinping uma vitória ilegítima e sangrenta na Ucrânia?
O que os eleitores americanos realmente se importam é com bons empregos e com o custo de vida. Mas a agenda “populista” de Trump - um programa de ilusão sustentado pelo medo de inimigos imaginários - é um fracasso anunciado. Trump está herdando uma economia forte, mas suas políticas mais emblemáticas farão quase nada de positivo pelos trabalhadores menos escolarizados ou melhorarão significativamente a vida da maioria dos americanos. Em vez disso, os ricos ficarão mais ricos, os bilionários ficarão muito mais ricos, e todos os outros provavelmente enfrentarão uma inflação mais alta, cortes nos serviços públicos e os efeitos de uma desregulamentação descontrolada.
*Simon Johnson, Nobel de Economia de 2024 e ex-economista-chefe do FMI, é professor na MIT Sloan School of Management e coautor (com Daron Acemoglu) de “Poder e progresso: Uma luta de mil anos entre a tecnologia e a prosperidade”.
EDITORIAL
INFOCRACIA E BIG TECS: O fim dos tempos - por PAULO TIMM
O que é o tempo? Simploriamente, um lapso entra dois momentos. Poeticamente, como dizia Machado de Assis, ‘um tecido invisível no qual se pode pintar qualquer coisa... Até o nada. E ainda se perguntava: - “O nada sobre o invisível?”. Ainda assim, no decurso dos milênios civilizatórios, o tempo tem sido o espaço da fala, do discurso, através do qual foram se imprimindo denominação às coisas, entretecendo argumentos explicativos sobre suas ocorrências, concertando pactos e impactos, guardando memórias. Discurso, aliás, provém do latim e significa “andar ao redor”, implicando outro. “No discurso somos desviados de nossas próprias convicções em sentido positivo pelo outro. Apenas a voz do outro outorga ao meu comentário, à minha opinião, uma qualidade discursiva”. Pois foi “andando ao redor das coisas e das pessoas” que desenvolvemos, não só a inteligência, mas o processo civilizatório. Humanizamo-nos. Foi o espaço das aquisições milimétricas da racionalidade que nos conduziu ao Sapiens. “Decisões racionais são construídas a longo prazo”. Requerem concentração, foco e meditação que nos remetem, enfim, à faculdade do juízo e ao desenvolvimento frontal do cérebro. “Uma reflexão as precede, que se estende para além do momento, no passado e no futuro”. Nas sociedades sem escrita, enaltecendo o papel dos anciãos como portadores da memória. Com a escrita, o advento dos escribas. Para os filósofos, teólogos e cientistas , então, este processo é um verdadeiro calvário, longo e penoso. Não por acaso, tais criaturas e respectivas instituições foram reverenciadas como detentoras de um saber capaz de orientar as práticas do bem viver. Dos altares xamânicos às Academias. Hoje, isso acabou. Estamos à mercê de influenciadores digitais quase analfabetos, bonitinhos e ordinários. Em poucas décadas, vivenciamos um salto qualitativo na sociedade equivalente à Revolução Agrícola, ao Renascimento e à Revolução Industrial. Mudamos não só a tecnologia da comunicação, mas a cultura, rearticulando técnicas e relações de produção, cosmovisão e visão do mundo, instituições e critérios éticos e de afirmação social. Emergiram os “faladores de merda”.Bullshitters... No mundo da Infocracia o que conta são trocas de informações entre unidades de função que garantem eficiência, dispensando a Política e o Governo, como instâncias éticas, que passam a ser substituídos por Agências de Gestão e Controle. No universo dataísta, a democracia dá lugar a um sistema supostamente isento de valores impulsionado por dados que se ocupam da otimização neutra de resultados. É a vitória definitiva do empirismo experimental que reorientou a Filosofia Moderna desde Hume, para o pragmatismo tão ao gosto dos anglo-saxões. O filósofo coreano Byun Chul assinala, oportunamente, no livro “ Infocracia – Digitalização e a crise da democracia “ -Ed.Vozes:
“A digitalização é, justamente, o que faz erodir o factual. O moderador de televisão Stephen Colbert, (quem colocou em circulação a palavra truthiness (ver-i-dade) comentou certa vez: ‘Eu não acredito em livros. São só fatos. Sem coração’” – pg 87
O tempo extinguiu-se como dimensão da vida cotidiana e excluiu a ordem do discurso que possibilitou a construção da democracia ocidental com base na Razão Comunicativa. Quem primeiro intui isso talvez tenha sido o inventor do para-raios, Benjamin Franklin, que proclamou alto e bom tom: “Tempo é dinheiro”. Como a vida é difícil e todo mundo precisa de grana, o tempo da reflexão foi substituído pela corrida contra o tempo: O self service do dia a dia, onde tudo já vem pronto para o consumo, com um mínimo de dispêndio de energias físicas e psíquicas. A tecnologia da Sociedade Industrial propiciou a mudança e trouxe consigo o fim do tempo como tempo indispensável à humanização da espécie. Somos, hoje, máquinas de clicar moradores das Cidade das Estrelas. Grande livro de ficção, aliás, de Arthur Clarck: “A Cidade e as Estrelas”. Sem tempo para o discurso e para as narrativas, que impunham o reconhecimento da alteridade, nos fragmentamos como pedaços de um panorâmico espelho quebrado: Cada um por si, Deus (Data) por todos. Entramos no Reino da Informação Digital : A Infocracia.
“Chamamos regime de informação, a forma de dominação na qual informações e seu processamento por algoritmos e inteligência artificial determinam decisivamente processos sociais, econômicos e políticos. (...) O regime de informação está acoplado ao capitalismo da informação, que se desenvolve em capitalismo da vigilância ( da era industrial) e que degrada os seres humanos em gado, em animais de consumo de dados” – Byon Chul Han – INFOCRACIA , Digitalização e a Crise da Democracia , pg 7
Vários autores já vinham chamando a atenção para os riscos deste salto no escuro sob os asas do Iluminismo. Karl Marx, crítico implacável deste mundo, há dois séculos já advertia que “tudo que é sólido desmancha no ar”. Em A Era do Vazio, Gilles Lipovetsky, aborda o vazio conectado ao individualismo numa era onde a materialidade e a exposição das redes sociais torna o momento fugaz, os relacionamentos esvaziados e a materialidade exaltada.: “O livro trata do enfraquecimento da sociedade, dos costumes e do indivíduo contemporâneo da era do consumo de massa. Ele explora um modo de sociabilização e individualização inédito, que se instituiu a partir dos séculos XVII e XVIII”. N. Luhman, em Entscheidungen in der ‘Informationsgesellschaft’, assinala, apud Byun cit: “Em uma sociedade da informação, não se pode mais falar de comportamento racional, mas, no melhor dos casos, de comportamento inteligente”.
Neste regime de informação, a vigilância e a disciplina rígida de corpos aprisionados da Era Industrial são substituídas pelo controle invisível das vontades individuais, confundidas com afetada liberdade de escolha.
O novo sujeito, aliás, “subjétil” - expressão de Antonin Artaud para definir o processo que vincula e separa o visível do legível, mais tarde retomada por Jean Baudrillard - porque incapaz de perceber a manipulação de que é objeto através dos perfis acumulados nos bancos de dados, supõe-se livre, autêntico e criativo. “Produz-se e se performa”, na ressonância de suas opiniões através das Redes. Fala para o vazio acreditando protagonizar-se perante o mundo. Acha-se um “player” de uma nova democracia: digital. Tudo sob um clima de suposta e salutar transparência. Não obstante, o novo presídio, cristalino, digital, nada tem de sagrado: é transparente e iluminado, aprazível”, sem mistérios ou instrumentos de tortura, mas sua invisível casa de máquinas urde e tece a dominação contemporânea: é escura e fria. Cruel. Os likes a escondem...Aposentou, por vencimento de validade, o Big Brother orweliano de 1984, substituindo-o pelo “Admirável mundo”novo” de Huxley:
Não por acaso o turismo cresce enormemente com milhões de pessoas viajando permanentemente de um lado pra outro. A curtição do prazer, da beleza, cada vez mais acessível às grandes massas, do divertimento, do sexo fartamente liberado e disponível na Internet, as drogas, dão um novo sentido à vida das pessoas que, não obstante, sucumbem à depressão, à violência e ao suicídio.
Sidarte Ribeiro, em seu livro “O oráculo da noite”- pg 378-, lembra que “medidas da repercussão de rumores no Twitter entre 2006 e 2017 mostram que as postagens mais disseminadas são justamente as mais ficcionais. Robôs em versão algoritmo, ‘almas sem corpo” em plena atividade, já vencem eleições com plataformas extremistas nos Estados Unidos, Inglaterra e no Brasil, através do impulsionamento massivo e automático de memes falsos que contagiam as pessoas até elas acharem que as narrativas mentirosas foram tecidas por elas mesmas. Por excesso de informação e falta de critérios, corremos o risco de perder a confiança no conhecimento acumulado e vivenciar uma nova torres de Babel, um cacarejar de vozes dissonantes sem qualquer possibilidade de harmonização”.
O resultado deste processo de compressão do tempo e saudável submissão do Sapiens ao Big Data, gerou o que alguns analistas estão denominando “rot brain”, eleito, no final do ano 2024 como a expressão do ano, conforme informação do Dicionário Oxford, que destacou ter havido 130 mil buscar pelo verbete no ano que passou. Consta que isso representou um crescimento de 230% entre 2023 e 2024, possivelmente por causa da "preocupação com o impacto trazido por tantos conteúdos de baixa qualidade on-line".
Pode ser traduzida como "cérebro podre" ou "podridão cerebral”, remetendo a um antigo provérbio inglês que diz “if is not rotten do not fix it”...O termo teria sido usado, por primeira vez, nos idos de 1854 por Henry Dvid Thoreau no seu livro “Walden”, um baluarte do ambientalismo. Ele já criticava a tendência à simplificação de ideias complexas, que tanto se disseminariam nas Redes Sociais, ao apodrecimento mal cheiroso das batatas.
Concluindo: Vivemos, com exceção dos “Engenheiros do Caos” que nos administram, numa referência a este título de Giuliano da Empoli, Ed. Topleituras.com, uma era de deterioração mental causada pelo consumo excessivo de conteúdos superficiais e pouco desafiadores à inteligência e ao efetivo exercício do juízo entre distintas possibilidades e cenários , principalmente pela subserviência às redes sociais e dependência cada vez maior dos aparelhos celulares, com reflexos sobre a nossa capacidade para construir uma sociedade verdadeiramente democrática. Perseguimos cada vez mais velocidade em nosso cotidiano, subindo cada vez mais alto no que denominamos “qualidade de vida”, morando e trabalhando em arranha-céus competitivos em altura. Vã ilusão.
EDITORIAL
Estamos em polvorosa, Fernanda Torres ganhou o Globo de Ouro por sua atuação em “Ainda Estou Aqui”!
- (Por Liniane Brum) – Postado por Paulo de Tarso Ricordi no FB
Há uma ferida aberta quando o assunto é ditadura, especialmente quando as lentes – ou as palavras – se voltam para as vítimas do regime. No espaço público a atriz honra essa chaga, com seu discurso sóbrio e figurinos que atentam para o luto, - da personagem representada, da Eunice ela mesma, de famílias-vítimas alquebradas, de um país dividido. No filme, Fernanda Torres atua com a alma, dá corpo à memória de Eunice Paiva e ao desaparecimento de Rubens Paiva.
O filme de Walter Salles contribui, como nenhum outro trabalho fílmico de ficção, para a construção de uma cultura da memória sobre a ditadura militar. Ele partilha com um espectro enorme de pessoas a memória da repressão. É bem sucedido em fazer com que o público empatize com a dor da família Paiva, pois faz isso a partir de um ponto de vista palatável. Uma viúva de um ótimo pai de família, um engenheiro, um homem que sequer “pegou em armas”, mas foi desaparecido pela ditadura. Note-se que o filme apenas menciona a atuação de Rubens Paiva como homem público. Diferentemente do livro de Marcelo Rubens Paiva, não traduz no que ela consistiu, nem vislumbra o quão pacíficas foram as atitudes resistentes do deputado.
Mas as escolhas que tornam o filme, como disse, palatável, não passam apenas pelo ponto de vista narrativo – da família, e, em particular, da matriarca. As escolhas dramatúrgicas são muito responsáveis pela larga adesão do público à história. Não faltam cenas clichês que levam o espectador a estados de "ânimo-padrão". A passagem dos dias de Eunice Paiva na prisão: a contagem dos bastõezinhos, dia a dia, nas paredes da cela, é um exemplo disso. A escolha da linha de atuação da atriz Fernanda Torres, que agora nos põe em polvorosa por ter ganhado o Globo de Ouro, é motor artístico inquestionável.
E há o buraco.
Não um buraco narrativo, mas uma ferida coletiva inseparável do ato de contar essa história. A iniciativa de transformar o trauma em arte, em algo que pudesse transmitir às pessoas não atingidas diretamente pela repressão, a memória da ditadura, durante muitos anos foi serviço dos familiares de vítimas da repressão. Por vítimas eram tomados os torturados, mortos, exilados, desaparecidos, perseguidos. O tempo passou, e hoje se sabe que também são vítimas aqueles que, como Eunice Paiva, passaram toda uma existência convivendo com a dor, os percalços civis e econômicos e o indizível vácuo do desaparecimento, entre outras perpetrações.
O buraco pode ser fechado com esse trabalho? Não sei. Talvez ninguém saiba. (Alguém sabe?) Sobretudo o reconhecimento público, a tentativa de reconciliação no plano coletivo, - eu disse tentativa - por outro lado, dá um passo sem igual a partir do impacto de “Ainda Estou Aqui”. A partir da visibilidade que Fernanda Torres e sua premiação dá, ainda mais, ao filme.
“Ainda Estou Aqui” está a fazer o que governo brasileiro se negou em 2024: celebrar a efeméride dos 60 anos do Golpe de 1964, mobilizar o factual, mas também o simbólico, abrindo espaço para a luz entrar. Propiciar atmosfera para a ferida cicatrizar. Esse bonde que o nosso governo perdeu, a cultura alcançou, - ou alçou. Lamber nós mesmos, por nós – brasileiros - nossas feridas: eis nossa política, mas também nossa arte.
Estamos em polvorosa, Fernanda Torres ganhou o Globo de Ouro por sua atuação em “Ainda Estou Aqui”!
Por Liniane Brum, escritora, sobrinha do desaparecido político Cilon Cunha Brum, morto na Guerrilha do Araguaia.
EDITORIAL
Do globalismo ao neofascismo - História de uma transição. Como as políticas neoliberais devastaram o Estado nacional, desampararam as maiorias e levaram parte delas a reivindicar os “líderes fortes” que a direita cultua. Como uma alternativa pode desmontar a farsa
por Wolfgang Streeck - Publicado 28/11/2024 às 19:35 –
Atualizado 23/12/2024 às 18:20
Parte inferior do formulário. Tradução de Glauco Faria- Do globalismo ao neofascismo - Outras Palavras
Com o advento da globalização neoliberal, a democracia como meio de intervenção política igualitária na economia caiu em descrédito. As elites de ambos os lados do Atlântico lideraram esse processo. Elas viam a democracia como tecnocraticamente “pouco complexa” diante da “complexidade exacerbada” do mundo; propensa a sobrecarregar o Estado e a economia; e politicamente corrupta devido à sua falta de vontade de ensinar aos cidadãos “as leis da economia”.
De acordo com essa linha de raciocínio, o crescimento não vem da redistribuição de cima para baixo, mas de baixo para cima: na extremidade inferior da distribuição de renda, por meio da abolição do salário mínimo e da redução dos benefícios da seguridade social; e na extremidade superior, ao contrário, por meio de melhores oportunidades de lucro e salário, apoiadas por impostos mais baixos. O processo subjacente foi uma transição para um novo modelo de crescimento hayekiano, destinado a substituir seu antecessor keynesiano como parte da revolução neoliberal.
Como em qualquer doutrina econômica, essas ideias devem ser entendidas como representações camufladas de restrições e oportunidades políticas decorrentes de uma distribuição de poder historicamente contingente, disfarçadas como manifestações de leis “naturais”. A diferença é que, no mundo hayekiano, a democracia não aparece mais como uma força produtiva, mas como uma pedra de moinho em volta do pescoço do progresso econômico. Por esse motivo, a atividade distributiva espontânea do mercado deve ser protegida da interferência democrática por muros chineses de todos os tipos ou, melhor ainda, pela substituição da democracia pela “governança global”.
A desintegração do modelo padrão de capitalismo democrático em meio ao avanço da globalização foi muito analisada. No decorrer de cerca de duas décadas, desde o desaparecimento do comunismo soviético, o neoliberalismo teve um retorno surpreendente: Hayek, que por muito tempo foi ridicularizado como líder de um culto sectário, eclipsou figuras importantes dos assuntos mundiais como Keynes e Lênin. As ideias de Hayek penetraram profundamente no pensamento não apenas de economistas e instituições internacionais, mas também de governos nacionais e partidos políticos. Isso incluiu seus apelos por um sistema no qual a propriedade privada seria protegida internacionalmente e a liberdade do mercado global prevaleceria sobre a política nacional; pela liberalização por meio de sistemas jurídicos idênticos em Estados formalmente soberanos (“isonomia”); pela liberalização econômica em federações internacionais heterogêneas; pela proibição do intervencionismo estatal por meio da lei de concorrência internacional; e, não menos importante, pela livre circulação de mercadorias, serviços, capital e pessoas como meio de neutralizar economicamente o Estado-nação. Os governos nacionais e os partidos políticos começaram a compartilhar as suspeitas da teoria da escolha pública em relação a eles mesmos.
Até ser desmistificado pela Grande Recessão, o neoliberalismo se tornou a doutrina político-econômica dominante do capitalismo moderno: a utopia de uma economia de mercado capitalista global autorregulável, na qual as políticas nacionais se limitavam ao estabelecimento e ao apoio dessa economia, à promoção de uma adaptação flexível a ela e, talvez, à preservação folclórica das tradições culturais e políticas locais para que as pessoas se sentissem em casa em uma sociedade cada vez mais sem teto.
O avanço do modelo de crescimento globalizante-neoliberal foi acompanhado por uma erosão gradual do modelo padrão de democracia do pós-guerra. Desde o final da década de 1970, houve um declínio notável na participação em eleições de todos os tipos em todas as democracias capitalistas. Isso tem sido especialmente verdadeiro entre aqueles que estão na base da distribuição de renda e de oportunidades de vida, que são os que mais precisam de proteção social e redistribuição. Ao mesmo tempo, os partidos políticos, independentemente das diferenças institucionais nacionais, sofreram um declínio drástico no número de membros. O mesmo ocorreu com os sindicatos, que, desde o final da década de 1980, raramente conseguiram exercer seu direito de greve com alguma perspectiva de sucesso. Quanto ao sistema partidário, conforme demonstrado por Peter Mair, os partidos estabelecidos do centro se distanciaram cada vez mais da sociedade e de seus eleitores, indo para o aparato do Estado, e sua crescente estatização teve sua contrapartida na privatização da sociedade civil.
A principal força motriz desse processo foi a compulsão por governar “com responsabilidade”, como diz Mair, derivada da própria globalização – em outras palavras, da real ou suposta falta de alternativas políticas ao pensamento neoliberal único do Consenso de Washington que se espalha. Assim como os sindicatos que querem preservar os empregos de seus membros só podem fazer exigências salariais moderadas, os partidos políticos que querem governar seus Estados, agora inseridos no mercado global, não podem se deixar influenciar demais por seus membros. Para usar os termos de Mair: a responsabilidade veio com o preço da capacidade de resposta.
O colapso final do modelo padrão coincidiu com a globalização acelerada da década de 1990. Quatro aspectos desse processo são característicos da involução liberal da democracia capitalista. O que está envolvido aqui é uma mudança específica nos interesses e atitudes representados pelo centro do sistema político democrático, a formação de um padrão correspondente de oferta e demanda política e o aumento dos conflitos sobre o status do Estado-nação em face dos interesses crescentes na restauração de uma política de proteção e redistribuição.
Em primeiro lugar, nos sistemas políticos padrão do pós-guerra, os partidos conservadores de centro-direita – que na Europa Continental geralmente tinham uma orientação democrata-cristã – haviam assumido a tarefa de conciliar o tradicionalismo social com a modernização capitalista. Isso se tornou cada vez mais difícil sob a pressão da globalização. O fim do socialismo de fato existente não significava apenas o desaparecimento da antítese do conservadorismo burguês, cuja existência havia facilitado a reconciliação do tradicionalismo com o capitalismo. Havia também novas pressões competitivas sobre os partidos de centro-direita para que abandonassem seu equilíbrio entre progresso e preservação e ficassem do lado dos destruidores criativos e dos modernizadores culturais em nome da competitividade econômica nacional. (Um exemplo entre muitos outros é a transição politicamente promovida para uma estrutura social de participação universal no mercado de trabalho, que enfraqueceu muito a receptividade da sociedade às políticas familiares conservadoras). Segmentos cada vez maiores do eleitorado culturalmente conservador ficaram politicamente desamparados.
Em segundo lugar, ocorreu um desenvolvimento correspondente dentro dos partidos, principalmente social-democratas, na outra metade esquerda do centro político. A abertura acelerada das economias nacionais os privou do instrumento mais importante de sua caixa de ferramentas políticas: a política econômica keynesiana em sua versão pós-guerra. O mesmo pode ser dito sobre o rápido aumento da dívida pública após a década de 1970 e o fato de que, em mercados internacionais abertos, os custos de uma política social nacional e descomodificadora ameaçavam se tornar uma desvantagem competitiva. Se os partidos conservadores do centro se tornaram os gerentes do progresso capitalista, seus colegas social-democratas se tornaram seus facilitadores, garantidores e propagandistas, falando com entusiasmo a seus eleitores sobre a luz da prosperidade renovada no fim do túnel da globalização.
Na Alemanha, por exemplo, os eleitores sociais-democratas tradicionais foram informados de que era melhor se reinventarem como empreendedores individuais – como a Egos Inc. – com o apoio do Estado, se necessário. Também lhes foi dito que a época moderna exigia uma política social voltada para o investimento, em vez de uma política voltada para o consumo; que a adaptação flexível era preferível à aposentadoria precoce; e que a solidariedade internacional agora significava submeter-se à concorrência nos mercados internacionais. Isso também não foi bem aceito. Enquanto os vitoriosos entre seus apoiadores se sentiam parcialmente representados – mas apenas parcialmente, já que boa parte deles se mudou para os novos partidos verdes de centro-esquerda – os perdedores da globalização, achando que tudo isso era demais para suportar, abandonaram a bandeira da modernização social-democrata, primeiro não comparecendo às urnas, depois se voltando para uma nova direita, longe do caminho democrático-capitalista.
Em terceiro lugar, ao se unirem à frente unida da globalização, tanto a centro-direita quanto a centro-esquerda perderam suas identidades políticas, por mais vagamente definidas que tenham sido no início. No processo de adaptação ao mercado mundial, a política democrática do pós-guerra deixou de ser a busca de longo prazo de diferentes modelos de uma sociedade ideal – um modelo paternalista-hierárquico, por um lado, e um modelo igualitário e sem classes, por outro – e passou a ser uma série de reações pragmáticas e de curto prazo às condições do mercado mundial em constante e imprevisível mudança. Os políticos e a política se tornaram menos ideológicos do que nunca, sem perspectiva e, portanto, indistinguíveis uns dos outros. Dessa forma, a democracia poderia se transformar em pós-democracia, entretendo os eleitores como espectadores passivos, ao mesmo tempo em que trazia spin doctors e técnicos de relações públicas para elaborar políticas.
O comportamento do voto – tanto as intenções contadas pelos estrategistas eleitorais quanto as escolhas dos próprios eleitores – mudou de acordo com isso: não mais orientado para um ideal social coletivo, um futuro comum pelo qual lutar como cidadãos, mas dissociado de posições de classe e ideologias, reagindo ao momento, em vez de a um futuro ideal. Como resultado, a rotatividade de eleitores entre os partidos aumentou, enquanto os antigos partidos do modelo padrão podiam contar cada vez menos com o apoio estável de uma base estabelecida.
Em quarto lugar, a despolitização pragmática da política provocada pela globalização, especialmente na esfera da economia política, juntamente com o surgimento de uma política econômica uniforme e de acordo com o mercado, acabou com a estruturação do conflito político-partidário ao longo do eixo capital-trabalho, como havia moldado a diferenciação e a integração política no modelo padrão. Ele foi substituído por uma nova clivagem que atravessou a estrutura de patrocínio do antigo sistema, entre uma maioria cada vez menor que se sentia amplamente representada na política pós-democrática e uma minoria cada vez maior que se sentia excluída. Isso se refletiu, entre outras coisas, em um declínio na participação dos eleitores e em um alto grau de volatilidade eleitoral, bem como em um declínio dramático na confiança e nas expectativas dos cidadãos em relação à política e aos partidos em todos os grupos.
Nos anos de internacionalismo e suas crises, outra clivagem se cristalizou entre uma orientação nacional e uma orientação internacional dos interesses políticos. Aqueles que sentiam que haviam se beneficiado da globalização de uma forma ou de outra se encontravam na estreita faixa da política da Terceira Via. Por outro lado, entre os perdedores econômicos e culturais da globalização, aqueles que não se viam representados pelo centro político reorganizado, desenvolveu-se uma preferência há muito não articulada e politicamente submersa por uma restauração da autonomia política e da capacidade do Estado-nação. Essa preferência podia ser cada vez mais mobilizada por partidos e movimentos orientados para um nacionalismo de direita ou de esquerda – e, por esse motivo, excluídos como “populistas” do espectro dominante.
A crise de 2008 marcou o fim do auge do neoliberalismo. Muito havia sido prometido e muito pouco foi cumprido. As dúvidas sobre a democracia, se não sobre o capitalismo, começaram a crescer entre as pessoas comuns, que se redescobriram e se reconstituíram politicamente de várias formas e cores, tanto como manifestantes quanto como eleitores. A perda da estabilidade e da confiança, a distribuição cada vez mais desigual da riqueza, que cresce cada vez menos, e a estagnação econômica, apesar das demandas por mudanças estruturais, juntamente com a crescente insegurança cultural e o desprezo da elite pelos que foram deixados para trás, deram origem a contra-movimentos populares plebeus vindos de baixo. O regime neoliberal pós-democrático reagiu a esses movimentos com horror.
Independentemente de terem surgido da experiência da vida cotidiana globalizada ou de terem sido oportunisticamente fomentados por novos atores políticos, o que eles tinham em comum era e é uma profunda desconfiança de qualquer tipo de “abertura” com eventos incertos, do livre comércio à migração, acompanhados por uma redescoberta da solidariedade local e da justiça local, em nível regional, nacional e de classe, em todas as combinações imagináveis. Já nos anos anteriores à crise, a globalização havia sido objeto de protestos; depois, por meio de uma infinidade de desvios, ela provocou uma repolitização de uma vida política que estava paralisada há algum tempo, culminando em uma disputa fundamental, mais ou menos articulada, sobre o lugar correto e legítimo da política, da democracia e da solidariedade na sociedade.
Hoje, em todos os países do capitalismo da OCDE, alguns dos remanescentes do modelo padrão de democracia do pós-guerra estão sendo redescobertos e utilizados como recursos institucionais para a resistência popular contra a modernização capitalista e cultural acelerada e a mudança estrutural politicamente desempoderadora impulsionada pela globalização. O que isso significa é uma luta amarga sobre o futuro caráter do Estado, tanto nacional quanto internacional: centralizado e integrado para proteger a globalização, ou descentralizado e subdividido para impedir seu avanço; elitista ou igualitário; (pequeno) burguês ou plebeu; tecnocrático ou democrático? Nos anos anteriores à Covid, começaram a surgir os contornos de uma reversão da tendência de queda na participação política, com um aumento nos protestos e greves mais frequentes. Os partidos de modelo padrão abandonados e seus aliados na mídia tiveram pouco a ver com isso. Na verdade, eles combateram a nova onda de politização com todo o arsenal de armas de que dispunham – propagandísticas, culturais, legais, institucionais – muitas vezes, sem querer, soprando vento nas velas daqueles que eles haviam enquadrado como inimigos não apenas da democracia, mas também do Estado.
Três décadas de centralização e unificação político-econômica neoliberal mudaram as democracias ocidentais em seu cerne: partidos políticos centristas declinaram conforme a participação eleitoral se recuperou, sindicatos perderam membros e status político, e novos partidos de direita, ou correntes populistas dentro dos partidos existentes, corroeram o conservadorismo centrista, incluindo a social-democracia tradicional. Em 2023, a nova oposição havia se transformado em uma força política mais ou menos influente a ser considerada em todos os países ocidentais, em alguns se tornando um parceiro informal ou formal no governo, às vezes até mesmo como sua força política dominante.
Isso vale para os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, bem como para a Itália, França, Áustria e toda a Escandinávia, sem falar na Polônia, Hungria e Europa Central e Oriental de forma mais ampla. O que quer que possa dividir os novos nacionalistas de direita, o que eles têm em comum é a oposição à internacionalização e à centralização e integração da governança que vêm com ela, trazendo à tona e politizando uma linha de conflito nas democracias capitalistas inerente à Nova Ordem Mundial pós-1990 do neoliberalismo global.
Hoje, as pressões por autogoverno local — por descentralização da governança por meio da restauração da soberania nacional — e a questão de como responder a elas são uma questão central de políticos e da política em contextos políticos e econômicos nacionais e internacionais. Forças políticas que insistem na soberania de seus Estados-nação — em relação a outros Estados imperiais, bem como a organizações internacionais dominadas por estes últimos, ou a mercados livres globais ou continentais — podem alegar que estão defendendo uma condição indispensável da democracia nacional, mesmo que a queiram apenas para si, e não também para seus oponentes. Aqueles que tentam preservar a democracia liberal do período neoliberal tendem a subestimar o poder da oposição a ela, enquanto superestimam a capacidade de governar, política e tecnicamente, de organizações supranacionais e países hegemônicos imperiais. A democracia neoliberal foi incapaz de evitar uma profunda perda de confiança em suas instituições por parte dos cidadãos, o que é outro resultado dramático de longo prazo das três décadas neoliberais desde o início dos anos 1990. Nem o centralismo neoliberal foi capaz de sustentar instituições nacionais ou internacionais capazes de estabilizar uma economia de mercado global; como os mercados falharam, a política neoliberal, que havia apostado em sua infalibilidade, estava fadada a falhar também.
A revolução neoliberal havia destruído completamente a ordem política e social do compromisso do pós-guerra, descartando um simples retorno a ele. Isso torna ainda mais necessário entender as causas precisas do fracasso do centralismo supranacional para entender os possíveis contornos da democracia pós-globalista e pós-neoliberal. Somente dessa forma podemos esperar preencher o vazio político deixado pelo neoliberalismo com um equivalente funcional do modelo padrão do pós-guerra. Como seu predecessor, um modelo pós-globalização de democracia — descentralizada — teria que ser incorporado em uma ordem internacional acomodatícia que respeitasse a autonomia política local e a soberania do Estado nacional como condições fundamentais para a democracia na sociedade e na economia.
A este respeito, o destino da União Europeia oferece lições sobre a fragilidade do internacionalismo estatista, os limites da governança supranacionalmente centralizada, da integração como unificação — em suma, sobre a futilidade de tentativas mais ou menos bem-intencionadas de consignar o Estado-nação como o local da soberania distribuída para a lata de lixo da história. Olhando em particular para o estado da União Europeia no final do neoliberalismo e no início da pós-globalização, pode-se aprender sobre as forças de resistência a uma ampliação supranacional hierárquica-tecnológica da política, como aquelas que afastaram os Estados-membros da UE que deveriam crescer para se tornarem os Estados Unidos da Europa.
Além disso, a maneira como as rédeas foram apertadas novamente e a centralização restaurada no curso da guerra na Ucrânia sugere que a unificação supranacional de Estados-nação soberanos é melhor perseguida com a ajuda de um inimigo ou aliado comum — um Estado imperial agindo como um unificador externo ao definir ou mesmo criar um problema de segurança internacional comum a ser tratado supranacionalmente sob liderança imperial: uma questão de vida ou morte, bem diferente de uma rendição voluntária da soberania nacional em prol da prosperidade econômica e do conforto cosmopolita, e extremamente perigosa para começar.
Nota: Este ensaio foi adaptado do último livro do autor, Taking Back Control?: States and State Systems After Globalism, publicado pela Verso.
Wolfgang Streeck é diretor do Instituto Max Planck para Pesquisa Social em Colônia e professor de sociologia na Universidade de Colônia. Entre seus livros estão “Buying Time: The Delayed Crisis of Democratic Capitalism”.
EDITORIAL
O fim dos tempos, por PAULO TIMM
Como as pessoas usaram seu tempo desde 1940 –
https://www.facebook.com/reel/1103094131418205/?s=single_unit&_cft[0]=AZXNbI-EQgi5B2jGTUvCHxBST4Jnpdmb9EXLuIwffkvaWOPwqE3Iy--tucMsqG739IVuy6pUaxgurzFc4KTlHyEZmDx7jCpIDaBi8eejHXogIplZ9u-UBtIMOBPO_V5Rz6zsESezhIaJZewbYd9qlcH7NH0Bl7Gmgqw9v-Zv2VjsfgGh7wo89NaAfP_7QoRptQo&tn_=H-R
O ASSUNTO g1 - Brain rot - a exaustão que marcou 2024 - 'Brain rot', que pode ser traduzido como 'podridão cerebral', foi eleito o termo do ano pelo Dicionário Oxford por causa do uso excessivo de redes sociais para consumo de conteúdos considerados pouco desafiadores e triviais - O Assunto #1375: Brain rot - a exaustão que marcou 2024 | O Assunto | G1
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O que é o tempo? Simploriamente, uma lapso entra dois momentos. Poeticamente, como dizia Machado de Assis, ‘um tecido invisível no qual se pode pintar qualquer coisa...Até o nada. E ainda se perguntava: - “O nada sobre o invisível?”. Ainda assim, no decurso dos milênios civilizatórios, o tempo tem sido o espaço da fala, do discurso, através do qual foram se imprimindo denominação às coisas, entretecendo argumentos explicativos sobre suas ocorrências, concertando pactos e impactos, guardando memórias. Discurso, aliás, provém do latim e significa “andar ao redor”, implicando outro. “No discurso somos desviados de nossas próprias convicções em sentido positivo pelo outro. Apenas a voz do outro outorga ao meu comentário, à minha opinião, uma qualidade discursiva”. Pois foi “andando ao redor das coisas e das pessoas” que desenvolvemos, não só a inteligência, mas o processo civilizatório. Humanizamo-nos. Foi o espaço das aquisições milimétricas da racionalidade que nos conduziu ao Sapiens. “Decisões racionais são construídas a longo prazo”. Requerem concentração, foco e meditação que nos remetem, enfim, ao juízo e ao desenvolvimento frontal do cérebro. “Uma reflexão as precede que se estende para além do momento no passado e no futuro”. Para os filósofos, teólogos e cientistas, então, este processo é um verdadeiro calvário, longo e penoso. Não por acaso, tais criaturas e respectivas instituições eram reverenciadas como detentoras de um saber capaz de orientar as práticas do bem viver. Hoje, isso acabou. O tempo extinguiu-se como dimensão da vida cotidiana e excluiu a ordem do discurso que possibilitou a construção da democracia ocidental com base na Razão Comunicativa. Quem primeiro intui isso talvez tenha sido o inventor do para-raios, Benjamin Franklin, que proclamou alto e bom tom: “Tempo é dinheiro”. Como a vida é difícil e todo mundo precisa de grana, o tempo da reflexão foi substituído pela corrida contra o tempo: O self service do dia a dia, onde tudo já vem pronto para o consumo. A tecnologia propiciou a mudança e trouxe consigo o fim do tempo como tempo indispensável à humanização da vida. Somos máquinas de clicar inseridos na Cidade das Estrelas. Sem tempo para o discurso e para as narrativas, que impunham o reconhecimento da alteridade, nos fragmentamos como pedações de um espelho quebrado: Cada um por si, Deus (Data) para todos. Entramos no Reino da Informação: Infocracia.
“Chamamos regime de informação, a forma de dominação na qual informações e seu processamento por algoritmos e inteligência artificial determinam decisivamente processos sociais, econômicos e políticos. (...) O regime de informação está acoplado ao capitalismo da informação, que se desenvolve em capitalismo da vigilância ( da era industrial) e que degrada os seres humanos em gado, em animais de consumo de dados” – Byon Chul Han – INFOCRACIA , Digitalização e a Crise da Democracia , pg 7
Neste regime de informação, a vigilância e a disciplina rígida de corpos aprisionados são substituídas pelo controle invisível das vontades individuais, confundidas com liberdade de escolha. O novo sujeito, aliás, subjétil, porque incapaz de perceber a manipulação de que é objeto através dos perfis acumulados nos bancos de dados, supõe-se livre, autêntico e criativo. “Produz-se e se performa”, na ressonância de suas opiniões através das Redes. Acha-se um protagonista da democracia digital. Tudo sob um clima de transparência salutar. O novo, presídio, digital, nada tem de sagrado: é transparente e iluminado, aprazível”, sem mistérios ou instrumentos de tortura. Mas sua invisível casa de máquinas urde e tece a dominação, é escura e fria. Cruel. Os likes a escondem...
“Na sociedade da informação, os locais de incorporação do regime disciplinar se desfazem em redes abertas. Para o regime da informação, valem os seguintes princípios topológicos: descontinuidades são produzidas em prol de continuidades. No lugar de encerramentos e conclusões, aparecem aberturas. Celas isoladas são substituídas por redes de comunicação. A visibilidade é , então, produzida de toda outra maneira, não pelo isolamento, mas pela conexão. (...) Quanto mais geramos dados, quanto mais intensivamente nos comunicamos, mais a vigilância (controle) fica eficiente sob o véu da conveniência do menor esforço. O telefone móvel como aparato de vigilância e submissão explora a liberdade e a comunicação. (...) Paradoxalmente, é o sentimento de liberdade que assegura a dominação.” (Cit. pg13)
Editorial Cultural FM Torres RS - www.culturalfm875.com
'O milagre alemão terminou, e Europa sofrerá as consequências'
Play audio, "'O milagre alemão terminou, e Europa sofrerá as consequências'", Duration
15,35- 23 nov 24 https://www.bbc.com/portuguese/articles/c3wq292z3w5o
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Legenda do áudio,O governo de coalizão da Alemanha se desintegrou em novembro —
e agora há eleições gerais marcadas para 23 de fevereiro de 2025Article
informationRole,BBC News Mundo
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A Alemanha está passando por um momento um tanto turbulento. Seus
indicadores econômicos estão deixando a desejar há anos e ameaçam seu
status de "milagre econômico". E, com a fragilidade da principal economia da
zona do euro, os países vizinhos também vão sofrer.
O país não é mais o Exportweltmeister, o "campeão mundial de exportações",
como era conhecido nos mercados internacionais.
No auge da hiperglobalização, a Alemanha chegou a ser o maior exportador do
mundo. O gás russo fornecia combustível barato às suas indústrias, e
a China era um grande parceiro comercial.
Mas esse mundo com a Alemanha no topo já não existe mais. Acontecimentos
como o Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia), as tarifas de Donald
Trump, a invasão da Ucrânia pela Rússia e a ascensão da China, que passou
de compradora a concorrente, afetaram seu modelo industrial.
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Não foram as únicas causas.
Sabotagem? O que se sabe sobre rompimento de cabos submarinos na
Alemanha
Fim do Matérias recomendadas
"Talvez o maior choque de todos tenha vindo da tecnologia", diz Wolfgang
Münchau, diretor da publicação especializada EuroIntelligence e autor do
livro Kaput: The End of the German Miracle ("Kaput: o Fim do Milagre
Econômico Alemão", em tradução livre).
"A Alemanha de hoje tem uma das piores redes de telefonia celular da Europa.
O fax ainda reina no Exército e nos consultórios médicos. E há muitas lojas que
ainda só aceitam dinheiro em espécie."
"Para dar um exemplo de como o país ficou para trás, no início os dirigentes da
indústria automotiva alemã, em sua maioria homens, consideravam os carros
elétricos brinquedos para meninas", escreveu o autor.
Para Münchau, esse declínio vem se desenvolvendo há anos. "As piores
decisões foram tomadas durante o longo reinado de Angela Merkel. Na década
de 2010, a Alemanha aumentou sua dependência do gás russo, investiu menos
em fibra óptica e infraestrutura digital, e aumentou sua dependência das
exportações."
"É um modelo que, por diversos fatores, se tornou obsoleto."
CRÉDITO,GETTY IMAGES
Legenda da foto,Em outubro, a Volkswagen registrou uma queda de 64% nos lucros do
terceiro trimestre. A Mercedes-Benz e a BMW também registraram perdas
Apesar de a Alemanha ser celebrada como uma líder do mundo ocidental,
houve, segundo Münchau, uma carência de reformas econômicas significativas
e um foco excessivo na política externa em detrimento da inovação e do
planejamento econômico de longo prazo.
Hoje, as grandes empresas do setor químico, de engenharia e automotivo
estão sofrendo — e, com elas, as redes empresariais menores que fornecem
componentes.
O exemplo mais evidente foi apresentado recentemente pela Volkswagen. O
maior empregador do setor privado da Alemanha ameaça fechar fábricas no
país pela primeira vez em 87 anos de história.
Made in Germany já foi um símbolo de uma tecnologia avançada e confiável,
mas a Alemanha não soube adaptar sua indústria mecânica ao modelo digital,
segundo Münchau.
Além disso, em novembro, o governo de coalizão liderado por Olaf Scholz
entrou em colapso, forçando a convocação de novas eleições para fevereiro de
2025.
Mas como é possível que uma das nações tecnologicamente mais avançadas
do mundo tenha ficado para trás?
Nesta entrevista, Wolfgang Münchau analisa os diversos fatores que
arrastaram a principal economia da zona euro para este momento conturbado.
BBC News Mundo - A Alemanha tem hoje uma economia com
crescimento muito baixo, ao qual ninguém está acostumado. O que vai
acontecer na Europa?
Wolfgang Münchau - A Europa vai sofrer. A Alemanha foi seu motor de
crescimento, mas agora uma Alemanha que não cresce está politicamente
menos disposta a ter grandes programas de apoio à União Europeia (UE). O
país é um grande contribuinte líquido para seu orçamento.
Mas não se pode contar com a Alemanha estagnada para financiar a UE da
mesma forma que antes, e ela pode relutar em financiar a guerra na Ucrânia.
Porque se não há crescimento, não há margem fiscal para expandir o
orçamento. Por isso, veremos decisões difíceis, e todas elas estão interligadas.
BBC News Mundo - Há algum país que possa substituir a Alemanha como
motor da Europa?
Münchau - Não acredito que haja algum, sobretudo por uma questão de
tamanho, a Alemanha tem 85 milhões dos 500 milhões de habitantes da União
Europeia, e sua economia é cerca de 20% maior que a segunda maior
economia da UE.
CRÉDITO,GETTY IMAGES
Legenda da foto,Depois de quatro mandatos como chanceler, Angela Merkel deixou o
poder em dezembro de 2021
BBC News Mundo - Quando começou o milagre econômico alemão?
Münchau - Começou realmente depois da Segunda Guerra Mundial. No fim da
década de 1940, houve um período de novas empresas e muito dinamismo na
economia, com base na engenharia e na indústria.
Os oleodutos e os reatores nucleares foram as engrenagens que
impulsionaram a economia alemã. Eram a força vital do seu modelo industrial.
Foram estes oleodutos que mais tarde dariam à Alemanha acesso ao petróleo
norueguês e ao gás russo. Essa primeira fase do milagre durou até o início da
década de 1970.
O período de 1980 a 1990 foi mais problemático porque a unificação custou
muito dinheiro. Mas, em 2005, chegaria uma segunda fase, que durou até
aproximadamente 2018.
A Alemanha viveu um período bem-sucedido entre 2005 e 2015, conhecido
como "milagre alemão moderno".
Legenda da foto,Com seus 80 milhões de habitantes e poder exportador, a Alemanha é a
economia mais forte do continente europeu
Entre os fatores que contribuíram para este sucesso, estão as reformas do
mercado de trabalho introduzidas pelo chanceler Gerhard Schröder em 2003,
que levaram à moderação salarial, além do gás barato da Rússia, da
liberalização do transporte marítimo e da logística de contêineres.
E também havia a forte demanda de bens industriais alemães por parte de
economias em rápido crescimento, como a China ou a Índia.
BBC News Mundo - O que indica que "o milagre" acabou?
Münchau - Em termos de dados e estatísticas publicadas, podemos ver isso
por volta de 2018. Mas tem sido um processo progressivo, cujas causas
remontam a muitos anos atrás.
O que aconteceu com a Alemanha é que ela se tornou muito dependente de
algumas indústrias, em especial da indústria automotiva. Isso é bastante raro.
A maioria dos países grandes, como Estados Unidos, China, Brasil ou Japão,
possui indústrias diversificadas. Eles não dependem de um ou dois setores.
CRÉDITO,GETTY IMAGES
Legenda da foto,O fechamento das centrais nucleares e o fim da energia barata se
deveram a razões políticas, e não econômicas
Mas a Alemanha se tornou muito dependente dos automóveis, dos produtos
químicos e também das máquinas de engenharia mecânica.
Essas três indústrias eram extremamente importantes para a economia alemã
e sofreram problemas semelhantes desde 2018.
BBC News Mundo - Quais foram esses problemas?
Münchau - Um deles foi a crise do aumento dos preços da energia, que se
tornou um problema específico após a invasão da Ucrânia por Vladimir Putin.
Mas, no caso do setor automotivo, aconteceu outra coisa: não conseguiu
inovar.
Não está na vanguarda dos veículos elétricos. Continuou vendendo seus
automóveis antigos movidos a combustível, e investiu nas tecnologias erradas.
O que vemos agora é que a Tesla e os chineses são os líderes em veículos
elétricos, e os alemães ficaram para trás.
De certa forma, a obsessão da Alemanha com a indústria destaca a
incapacidade do país de aceitar que as economias ocidentais modernas são
baseadas em serviços, e não em manufatura.
CRÉDITO,SWIFT PRESS
Legenda da foto,Wolfgang Münchau, diretor da EuroIntelligence, explica por que a
Alemanha ficou para trás
BBC News Mundo - Um amigo seu disse para você não escrever este
livro, porque a Alemanha tem um histórico de se recuperar quando menos
se espera. Isso pode acontecer desta vez? Ela pode renascer?
Münchau - Esta crise é diferente das anteriores, quando os problemas eram a
competitividade e os custos. Esta é a crise em que a Alemanha, como país,
está vendendo produtos obsoletos, que já não estão na vanguarda da
tecnologia.
Isso se deve ao fato de a Alemanha ter perdido o século 21 em termos de toda
a revolução digital. Passou anos investindo nas tecnologias equivocadas. Nos
automóveis, isso é óbvio porque podemos ver.
Mas também vimos uma digitalização lenta das indústrias existentes. A
tecnologia digital invadiu os dispositivos mecânicos em que o país era líder e
não soube se adaptar.
BBC News Mundo - Este fenômeno na indústria está relacionado com a
aversão dos alemães à digitalização que você menciona em Kaput?
Münchau - Acho que sim. É possível ver isso em muitas áreas da vida pública
e em muitos setores do governo que ainda usam aparelhos de fax. Da mesma
forma que nos consultórios médicos.
Isso também pode ser observado na telefonia e na cobertura de celular, que é
muito fraca em muitos lugares, e na implantação de fibra óptica, que também
está muito atrasada.
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Editorial
Y asi pasan los dias.. Quizás, quizás, quizáz! Por Paulo Timm/20/XII
A política econômica atual, com juros altos e arrocho fiscal, perpetua a chantagem do financismo, que usa o discurso da “dominância fiscal” para justificar seus ganhos, ignorando a real causa da inflação e impondo sacrifícios aos mais pobres - Paulo Kliass in Dominância fiscal, o apocalipse da vez - 17/12/2024
De cada 10 notícias sobre economia 8 são publicadas por veículos que pertencem a investidores. Hoje o poder de especular está associado ao poder de criar a narrativa (determinar o que é “verdade”). O país sob a mira dos sequestradores…- Eduardo Moreira - https://youtu.be/ufXzhU9t3zE?si=2A4cQIeaBdzBZpgV
A economia desgovernada - Por Ladislau Dowbor
https://www.lemonde.fr/idees/article/2024/06/13/aujourd-hui-les-milliardaires-ne-paient-quasiment-pas-d-impots-car-une-grande-partie-de-leurs-revenus-proviennent-du-capital_6239271_3232.html
2024 – Dolar em alta- Erros e Crise na Economia - Aceertos de Lula – Carlos Paiva e Gabriel Wainer - https://www.google.com/search?q=dolar+em+alta+e+crise+na+economia+-+CARLOS+PAIVA+YTUBE&oq=dolar+em+alta+e+crise+na+economia+-+CARLOS+PAIVA+YTUBE&gs_lcrp=EgZjaHJvbWUyBggAEEUYOTIJCAEQIRgKGKAB0gEJMjUzODNqMGo3qAIIsAIB&sourceid=chrome&ie=UTF-8#fpstate=ive&vld=cid:0d31e3bd,vid:0GzGdyZs3RE,st:0
Semana passada, o assunto central da Mídia foi a saúde do Lula. Não faltaram aí, inclusive, manifestações indecorosas de alguns, regozijando=se com sua morte eventual. Lamentável. Nesta semana a questão do dólar está ocupando as manchetes. Saltou de R$ 5,7 para um nível de R$ 6,30 no dia 19. Tocou horror. Os alarmistas de sempre saem a campo dizendo que a inflação vai explodir, enquanto os governistas denunciam um ataque especulativo. Em meio às controvérsias Haddad, Ministro da Fazenda, reitera que não há perigo nenhum: os indicadores da economia demonstram que estamos indo bem. Um atento e experiente analista econômico, Eduardo Moreira, porém se detém na análise dos fatos e sugere a metáfora do sequestro para explicar os riscos da conjuntura. Diz ele: o sequestrador não pratica o seu crime para matar a vítima, mas para ganhar uma grana, sabendo, entretanto, que pode dar tudo errado e vir a ser morto pela Polícia. A situação que estamos vivendo é a seguinte: Vivemos uma etapa da economia (de mercado) capitalista totalmente dominada pelos interesses financeiros. No Brasil isso é ainda mais acentuado pela forte concentração bancária de nossos sistema. Eles constituem, na verdade, o que tradicionalmente se denomina como classe dominante mas que eles preferem denominar: “Mercado”. Já não são os proprietários de terras, nem os donos das grandes empresas industriais. São donos de tudo isso e mais alguma coisa: a capacidade de movimentar o capital dinheiro (fictício) aquém e além fronteiras sem maiores limites. Muros, só para os miseráveis da África e da América Latina...Foi-se o tempo da “mais-valia”, medida pelo excesso de horas de trabalho que os operários entregavam aos empresários industriais sobre o seu custo de reprodução. Isso subsiste, sobretudo em empresas “fechadas”, mais tradicionais, de grande impacto no emprego formal mas baixa representação na valorização do PIB. Isso não é de fácil compreensão para a maior parte das pessoas que vivem mais de “impressões” sobre o que significa o processo dominação numa sociedade de classes, como a nossa. O homem simples das ruas, republicano e universal, como o dizia Cassiano Ricardo num famoso poema, vê o mundo com os olhos e ouvidos singelos sem se dar conta das camadas geológicas que formam a sociedade e controlam a opinião pública. Para ele, rico é o cara da casa mais bonita da rua de cima que tem um carro zero. Nas cidades maiores, chega a ter uma ideia de que há um seleto grupo de privilegiados donos de imóveis, estabelecimentos, membros do Rotary e suspeitos de serem massons. Dificilmente percebe que sobre a economia nacional impera um conjunto de grandes interesses financeiros que não são apenas donos do dinheiro, mas donos, através de seus investimentos, de grande parte dos ativos mobiliários – Bolsas, Dólares, Aplicações, S/As etc - , como, também imobiliários. Além de donos da “bola”, estes setores são, senão diretamente proprietários das grandes Redes de Comunicação, seus principais anunciantes e, com isso, controlam o que os diligentes leitores leem nos jornais, veem na TV e escutam nas rádios o dia inteiro. Quantos são eles? No mundo inteiro calcula-se que seja apenas 1% da população global; no Brasil, segundo o ATLAS SOCIO ECONOMICO do IPEA, bem menor: 0,01%, ou cerca de 20 mil abençoados bilionários. Alguns contestam este número e o reduzem à menos de 300 nobres famílias, metade das quais enraizada no espólio colonial. Não são pessoas más, muitos até são piedosos crentes de suas confissões e frequentam regularmente seus templos e livros sagrados. Mas têm interesses e os defendem com unhas e dentes, a propósito, afiados. Em contrapartida a este bloco de interesses se situa o interesse na Nação, com cerca de 100 mil trabalhadores ativos e 25 milhões de inativos, maioria dos quais vivendo com até 1 Salario Mínimo por mês, uma classe média em torno de 50 milhões que cresce de cima para baixo muito lentamente, e uma infinidade de brasileiros que sequer aparecem nas estatísticas procurando emprego ou recebendo alguma coisa. O interesses destes, nem sempre coincide com o interesse dos que compõem a cúpula da sociedade. Mas acabam se sensibilizando às suas causas ao serem revertidos, por vários meios, de consumidores em “investidores”, ou de trabalhadores em “empreendedores”, numa aliança de difícil reversão. De entremeio a eles, está o Governo, supostamente representativo seja da cidadania em geral, seja do Estado como entidade encarregada de preservar não só o território nacional, mas um mínimo de segurança nas suas várias acepções: Segurança Nacional, Segurança Pública e Segurança Civil, onde habitam desde o Meio Ambiente, as pessoas e as instituições. Não é muito fácil digerir isso tudo e, ao mesmo tempo, ver em que medida isso se articula com o sistema político que elege de, tempos em tempos, um Presidente da República pelo voto direto e uma Câmara dos Deputados pelo proporcional.
Ultimamente, vive-se o dilema da inflação, do dólar e do déficit público. O dito Mercado, que em nada se confunde com o mercadinho da esquina, mas o “envolve” emocional e ideologicamente, quer AUSTERIDADE DO GOVERNO e corte de gastos porque teme que o déficit se torne impagável e engula seus R$ 9 trilhões investidos em ORTN. Temem que, ao aumentar o déficit, a inflação, mais alta, também corroa o valor de sua “Poupança”. Os assalariados, claro, perdem poder de compra com a inflação. Já os titulares do “Mercado”, perdem trilhões. Até já procuram a garantia de dólares para evitar o pior mas, com isso, aumentam a corrida para a moeda mais forte elevando a taxa de câmbio, que num círculo vicioso, acabará elevando ainda mais os preços. É o dilema do sequestrador. Tendo pressionado o Governo reticente aos seus apelos, o “Mercado”, agora, aguarda o desfecho do “crime”: Uma negociação amigável. Estão todos de orelha grudada no telefone na Faria Lima, aguardando os acontecimentos. Não irão esticar ainda mais a corda. Numa dessas, o tigre acuado redobra suas forças e reverte o jogo...Aí, tudo pode acontecer, menos o nada. O dólar dificilmente voltará, no curto prazo, aos valores idílicos do passado recente.
Editoria
CARTOGAFIA CEREBRAL MADE IN INDIA
por Suzana Herculano-Houzel
Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA)
Coisas maravilhosas acontecem quando há investimento concentrado em ciência
O cérebro humano, cheio de dobras e com centenas de estruturas, bilhões de neurônios, trilhões de quilômetros de cabos e quatrilhões de sinapses, é no começo um mero canudo de células. O processo pelo qual uma coisa se transforma na outra se chama desenvolvimento, e estudar como aquele canudo vira cérebro é a única maneira de entender por que as partes do cérebro são como são.
Por que se dar ao trabalho, você pergunta? Se não lhe bastam a admiração com a ideia de que o cérebro que lhe permite ler este texto foi um dia apenas um canudo de células, mais a satisfação em pensar que entender o processo envolvido está ao nosso alcance, pense em todos os problemas de saúde que decorrem de alterações no desenvolvimento do cérebro.
A lista inclui epilepsia, autismo, deficiência intelectual, tumores e toda uma série de síndromes genéticas. Exatamente como um carro em pane, é preciso entender como o cérebro adulto é construído antes de poder sequer tentar consertá-lo.
Um mapa do cérebro humano, como um mapa de uma cidade, representa lado a lado em uma superfície plana as partes que se encontram lado a lado no mundo. Como o cérebro é tridimensional, mapeá-lo requer não um único mapa, mas uma pilha deles: um atlas. Navegar um atlas do cérebro é explorar seus caminhos.
Para acompanhar o processo de transformação do canudo em cérebro, então, é preciso ainda mais do que um atlas: é preciso toda uma série de atlas que mostrem, cada um deles, mapas de todas as células em todas as estruturas em todas as partes de cada canudo em transformação. Sem isso, sem chance de ligar os pontos e entender a lógica subjacente à complexidade daquilo que um dia começou canudo —e aliás nunca deixou de ser.
O problema é que a tarefa, monumental, é demais para laboratórios individuais e para os esquemas usuais de financiamento competitivo. Um atlas digital do cérebro humano adulto, acessível gratuitamente, foi publicado em 2016 no periódico do qual eu agora sou editora-chefe, o Journal of Comparative Neurology.
A empreitada foi possível graças à doação por Paul Allen, cofundador da Microsoft, de US$ 100 milhões em 2003, mais outros US$ 300 milhões em 2012, para o que se tornou o Allen Institute for Brain Science, em Seattle, nos EUA, um país que ainda tem tradição em investimento filantrópico em ciência.
Por isso ninguém esperava que um feito ainda maior —uma série de cinco atlas do cérebro humano durante o segundo semestre de gestação— viesse da Índia. É um país sem qualquer tradição em neurociência e que vem, como o Brasil, exportando jovens para aprender alhures —e, também como o Brasil, tentando repatriá-los já como talentos formados. Mas sem dinheiro não há ciência, e sem visão de longo prazo também não.
Eis que um engenheiro elétrico do Instituto Indiano de Tecnologia de Madras, Mohan Sivaprakasam, ousou pensar grande; o Ministério de Ciência e Tecnologia e seus consultores apoiaram e financiaram a ideia, sem qualquer processo competitivo; um ex-aluno agora bilionário doou outros tantos, garantindo a continuidade do projeto; e uma neurocientista, Richa Verma, foi repatriada da Austrália para liderar o projeto.
Dois anos e um décimo do custo do antecessor estadunidense depois, estou em Madras para anunciar a publicação pelo Sudha Golapakrishnan Brain Centre dos cinco atlas indianos no mesmo periódico, agora sob minha direção. Dá gosto de ver.
Ah se o Brasil fizesse igual...
Editorial
MAPEAMENTO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA NO RS- http://guayi.org.br/?p=656
A Economia Solidária é uma alternativa econômica baseada na autogestão, autonomia e solidariedade, que tem construído uma alternativa para um grande número de trabalhadores que enfrentam a crise das relações de trabalho, de desemprego e o aumento da exclusão social.
Com esta nova forma de organização do mundo do trabalho, a Secretaria Nacional da Economia Solidária – SENAES está desenvolvendo um conjunto de políticas que passou a organizar um programa voltado para o benefício dos trabalhadores da Economia Solidária.
Para planejar uma política mais efetiva de apoio, a SENAES está realizando o mapeamento da economia solidária em âmbito nacional no sentido de contribuir para a consolidação desta nova forma de economia através de um Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária. Para tanto, foram constituído um Grupo de Trabalho Nacional (GT) e 27 Equipes Gestoras Estaduais (EGEs).
No Rio Grande do Sul, a equipe Gestora – EGE, composto por DRT, UNISINOS, GUAYI, CAEPS, CAMP, CÁRITAS, COOESPERANÇA, ESCOLA 8 DE MARÇO, FURG E UNIJUÍ. vem desenvolvendo de forma articulada o mapeamento estadual, desde o segundo semestre de 2004.
A Guayí é a entidade responsável para realizar o mapeamento dos empreendimentos solidários na Região Serra e no Litoral Norte do Estado do Rio Grande do Sul, contribuindo, assim, na construção de um Sistema Nacional de Informações, constituindo um instrumento fundamental na sua visibilidade, orientando o processo de organização do movimento, identificando e subsidiando os processos de formulação de uma política econômica e a execução de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento da economia solidária.
A Guayí realizou o mapeamento de 223 empreendimentos econômicos solidários em 43 municípios da Região Serra e 21 municípios da Região Litoral Norte do Estado do Rio Grande do Sul:
Serra e Hortênsias: Bom Jesus, Cambará do Sul, Canela, Gramado, Jaquirana, Monte Alegre dos Campos, Nova Petrópolis, São Francisco de Paula, São José dos Ausentes, Vacaria, Antônio Prado, Nova Araçá, Bento Gonçalves, Nova Bassano, Boa Vista do Sul, Nova Pádua, Campestre da Serra Nova, Prata Carlos Barbosa, Nova Roma do Sul, Caxias do Sul, Parai, Coronel Pilar, Protásio Alves, Cotiporã, Santa Tereza, Fagundes Varela, São Jorge, Farroupilha, São Marcos, Flores da Cunha, São Valentim do Sul, Garibaldi, Serafina, Côrrea Guabijú, União da Serra, Guaporé, Veranópolis, Ipê, Vila Flores, Montauri, Vista Alegre do Prata Monte, Belo do Sul.
Litoral Norte: Arroio do Sal, Balneário Pinhal, Capão da Canoa, Capivari do Sul, Caará, Cidreira, Dom Pedro de Alcântara, Imbé, Itati, Mampituba, Maquine, Morrinhos do Sul, Mostardas, Osório, Palmares do Sul, Terra de Areia, Torres, Tramandaí, Três Cachoeiras, Três Forquilhas, Xangri-lá.
O mapeamento ocorre em duas fases. A primeira fase consiste na elaboração de uma listagem de empreendimentos de economia solidária através de auto-declaração na página eletrônica www.sies.mete.gov.br, declaração em formulários aplicados por uma das entidades, integrantes da EGE e a confirmação de empreendimentos pré-listados no site do Ministério de Trabalho. No Estado RS,





